19
de janeiro de 2004
O diretor
de cinema mexicano Alejandro González Iñarritu
tem construído seu prestígio valendo-se duma rigorosa
radicalização de filmar em que provocar os nervos
do espectador sempre foi algo mais do que o choque da violência
visual. Amores brutos (2001) foi uma brilhante carta de apresentação
de sua perversidade fílmica e o episódio que ele
rodou para 11 de setembro (2002), com a tela insistentemente
escura povoada de vozes difusas e cortada por clarões
de pouca permanência na retina, era outra amostra de seu
inconformismo estilístico.
21
gramas (21 gramas; 2003) dá seqüência a
estas descidas cruéis de Iñarritu ao universo de
criaturas marcadas pela fatalidade trágica. Aqui o cineasta
complexifica ainda mais sua narrativa de histórias cruzadas
que lançara em Amores brutos; o jogo exige ainda mais
da atenção e da capacidade de percepção
do espectador. A primeira imagem da fita, antes mesmo dos créditos
iniciais, mostra o ator Sean Penn sentado na cama (nu) diante
de Naomi Watts (nua) que lhe está de costas e dorme; esta
imagem vai aparecer depois lá quase pelo fim da realização.
Entre este estranho início e o reaparecimento da imagem
numa situação narrativa já mais esclarecida,
o assistente vem a saber que a personagem de Penn recebeu o coração
do marido morto da criatura de Naomi e envolveu-se sentimental
e sexualmente com a viúva de seu doador; exaustivamente
Iñarritu fere os códigos narrativos tradicionais,
brincando com as ilusões cinematográficas: numa
cena, imaginamos que Penn matou a Benicio Del Toro, depois o
vemos presente ainda na história, pode-se pensar que se
trata de seqüências do passado (antes do assassinato),
mas depois a cena completa revela: Penn simulou ter matado Del
Toro e o mandou fugir.
21
gramas, cujo roteiro é do habitual colaborador de Iñarritu,
Guillermo Arriaga, guarda fortes semelhanças com Amores
brutos. Em ambos os filmes um acidente automobilístico
vai transformar e cruzar a vida de um punhado de personagens.
Em 21 gramas a mulher cujo marido e duas filhas pequenas perdem
a vida ao serem atropeladas por um ex-presidiário bêbado
vem a envolver-se com o homem que sobreviveu graças à doação
do coração do morto; o alvo de ódio que é o
causador das mortes familiares implica uma estrutura narrativa
nervosa a que a câmara trêmula e as imagens granuladas
da fita correspondem inteiramente.
Se
as pessoas perdem vinte e um gramas na hora da morte, um filme
como 21 gramas traz uma tonelada de informação
cinematográfica para prazer do cinéfilo.
Por Eron Fagundes
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