A PRECARIEDADE DO ESPETÁCULO CONTEMPORÂNEO
 

 

23 de abril de 2007

O cinema é um espetáculo. Deve agradar aos sentidos, primeiramente. Cineastas como o português Manoel de Oliveira e o francês Robert Bresson estabelecem uma diferença entre o espetáculo (promovido pelos estúdios) e a escrita (algo pessoal, que eles fazem). Estas coisas na verdade são muito difusas no cinema. Os nomes das coisas nunca explicam tudo o que se precisa saber sobre elas. Creio que Wittgenstein (1992), do inglês Derek Jarman, duro, estático, verborrágico, e Roma de Fellini (1971), extrovertido, delirante, largo, para citar dois exemplos de revisões mais recentes por aqui, são espetáculos cinematográficos, embora a tendência definida nos conceitos de Oliveira e Bresson só aceitaria impor o nome ao filme de Fellini.

O cinema, cada vez mais, tem a tendência para a grandiosidade, para a grandiloqüência. Muitas vezes: vazias. Então, rende o espetáculo. 300 (300), de Zack Snyder, é um dos mais desastrosos espetáculos históricos jamais realizados pelo cinema. Mas não deixa de ser um espetáculo, que vamos devorando com os sentidos possíveis —os obtusos, provavelmente. A dicção dos atores procura o tom grandíloquo-histórico, mas desanda: falta-lhe a felicidade que teve o inglês John Boorman, em Excalibur (1981), para impor a seus intérpretes a voracidade vocal de um universo pré-shakespereano. As cenas de batalhas são pinturas desorientadas e parecem esboços escolares. Os eventos históricos se desarrumam facilmente em cena, e as cenas com a rainha espartana são constrangedoras na evocação do confronto entre a moral e a libertinagem à moda antiga (algo que Boorman resolve admiravelmente em seu citado Excalibur).

Para os brasileiros, resta a presença do ator Rodrigo Santoro, que faz do terrível rei persa Xerxes o primeiro travesti histórico; são seqüências curiosas, mas carnavalescamente brasileiras, sem nenhuma medida crítica. Talvez Santoro se tenha inspirado um pouco na perversidade do bichona vivido por Milton Gonçalves em Rainha diaba (1971), do brasileiro Antônio Carlos Fontoura. De qualquer maneira, Santoro, que é bom ator e já fizera em Carandiru (2002), de Hector Babenco, um interessante homossexual, está muito melhor que a canastrice de Garard Butler na pele de Leônidas, rei e guerreiro de Esparta liquidado por Xerxes.

Por Eron Fagundes

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