SISTEMA PENAL E SOCIEDADE
 

 

21 de abril de 2008

Juízo (2008) é o segundo filme dirigido pela carioca Maria Augusta Ramos centrado no sistema judiciário brasileiro e nas relações deste sistema com a realidade social do país; Justiça (2004), o filme anterior, montava suas histórias observando o que ocorria diariamente entre os seres humanos que freqüentavam o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro; Juízo detém-se na Vara da Infância e da Juventude do Rio para ver o que se passa com os menores infratores do país. A realização é inicialmente bloqueada por uma proibição legal: o audiovisual não pode expor as faces dos delinqüentes menores. O que é a princípio um entrave para a aproximação de Maria Augusta ao real, converte-se num desafio de linguagem. Não podendo filmar os rostos dos menores criminosos, a realizadora reconstitui as cenas (de audiências e do local da reclusão) utiliza outros menores brincando de ficção sobre o real; estes menores foram escolhidos pelas semelhanças de universo com o dos menores  que viveram as histórias e o resultado é transparentemente documental, resultado duma oficina de filmagem cuja extrema elaboração visa à naturalidade.

Maria Augusta está falando do Juízo brasileiro em sua relação com os menores criminosos, mas não estabelece nenhum juízo sobre o que vê. É uma observadora perplexa. O que está em cena é a perplexidade do cinema diante das perspectivas cruéis de uma certa sociedade brasileira; perplexidade com um sistema que parece irrecuperável e que na verdade não recupera ninguém, perplexidade com um Judiciário que é um espelho de nosso mundo social. As barreiras de classes se evidenciam, para além do distanciamento narrativo do filme, em algumas mordazes demonstrações de paternalismo hipócrita das observações da Juíza Luciana Fiala para os menores; ela é dura com os delinqüentes, e talvez não pudesse atuar no meio se assim não fosse, mas é particularmente curiosa e perturbadora a cena em que um garoto diz a ela que ganha bem como engraxate e ela ri, debochada: como poderia uma Juíza achar decente um salário de engraxate?

Juízo pode não ser cinematograficamente tão forte quanto Justiça ou O cárcere e a rua (2004), da gaúcha Liliana Sulzbach, também voltado para ver o sistema penal como reflexo do universo social; mas Juízo não deixa de ser um destacado filme da atual temporada, onde se discute com vigor e sem concessões a questão social observando um dos microcosmos da sociedade, no caso, os infelicitados cenários da Vara da Infância e da Juventude e da cadeia de reclusão dos menores infratores do Rio.

Por Eron Fagundes

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