NARRATIVA DESARRUMADA
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09 de outubro de 2004

O realizador brasileiro Paulo Thiago parece não ter muito jeito para a narrativa cinematográfica, cujas notas em suas mãos sempre parecem errar o tom. É o que os anos têm demonstrado, desde os tempos de Águia na cabeça (1983), por exemplo. Em O vestido (2004) sua vesguice para as coisas da direção de cinema são bem palpáveis: apesar dos eficientes recursos de produção com que conta, um rançoso academicismo de filmar se instala em cada detalhe de sua linguagem, a expressão sonoro-facial do ator, a construção dos planos, a disposição dos cenários, a maneira de iluminar uma cena –pouca coisa verdadeiramente cinematográfica resta na tela.

A origem do roteiro é um belo poema em dísticos do mineiro Carlos Drummond de Andrade, chamado “Caso do vestido” e incluído no antológico livro A rosa do povo (1945). Carlos Herculano Lopes transformou a história do poema num texto em prosa e o cineasta e o também diretor de cinema Haroldo Marinho Barbosa a estruturaram num roteiro fílmico. Os bons fluidos do argumento drummondiano se convertem numa realidade pesada e opaca na lente de Thiago, incapaz de conferir profundidade e rigor ao duelo amoroso encenado.

As atrizes Ana Beatriz Nogueira e Gabriela Duarte (esta, apesar de seu início hesitante) fazem bem seus papéis como a esposa e a amante demoníaca respectivamente da personagem do marido vivido por Leonardo Vieira, este atirando-se a uma precária debilidade dramática; Paulo José como um médico espanhol que recita Federico García Lorca é uma aparição eternamente luminosa; Daniel Dantas como o primo apaixonado da esposa traída está não além de correto, repetindo sua autopersonagem de tantas outras interpretações suas.

Narrado em convencionais flash backs da conversa duma mãe com suas duas filhas e depois complementado pela existência dum diário da amante, O vestido está longe de produzir a inquietação dos versos que lhe deram origem. Thiago não logra nem mesmo estabelecer aquelas perplexas relações entre a palavra e a imagem ao colocar na tela trechos do texto poético de Drummond. “Nossa mãe, o que é aquele // vestido, naquele prego?” A realização de Paulo Thiago é uma veste que se perde na teia do atual cinema brasileiro e compete ao espectador investigar de que veste se trata.

Por Eron Fagundes