MISTIFICAÇÃO E INVENTIVIDADE

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16 de maio de 2003

O estilo nervosamente semidocumental do realizador inglês Michael Winterbottom, que rendera frutos conseqüentes e contundentes em Bem-vindo a Sarajevo (1997) e tratava das relações entre jornalistas e imagens de crianças na guerra da Bósnia, volta a perturbar o espectador neste acelerado A festa nunca termina (24 hour party people; 2002). Embora se trate claramente dum filme de ficção, a mobilidade da câmara na mão do fotógrafo, a característica descarnada da fotografia em que predomina um azulado fosco e a vertente desdramática de narrar (o ator-personagem-narrador se dirige constantemente para o público, um pouco à maneira do realizador francês Jean-Luc Godard –Godard é uma influência impositiva, inclusive na roda citatória de que se reveste a narrativa) aproximam a película das formas de um documentário.

O mergulho feito na música inglesa que tem como nervo a cidade de Manchester dos anos 70 aos anos 90 é, tal qual aparece na realização, um vórtice mistificador. A excessiva recorrência ao tom granulado de vídeo digital e a busca de um desleixo estilístico provocativo não tem a mesma pujança de Bem-vindo a Sarajevo. Winterbottom continua criativo dentro de seus parâmetros de linguagem; mas mistifica demais o tema musical.

Aquelas imagens que submergem abaixo dos créditos finais, semelhando negativos de celulóide que explodem, parecem uma metáfora dos exageros de vazio deste filme que não deixa de trazer uma estranha beleza para o espectador crítico.

Por Eron Fagundes