HUMOR ALEMÃO EM BUSCA DO PÚBLICO
eron@dvdmagazine.com.br

05 de janeiro de 2004

Eu fui admirador incorrigível daquele cinema alemão, muitas vezes intelectual e experimental, que era dado ver ao espectador porto-alegrense, nos anos 70 e 80, nas sessões do Instituto Goethe. Minhas análises de filmes germânicos, que os generosos espaços de leitores dos jornais da época se encarregavam de dar circulação, criaram alguma polêmica: eu era especialista em filmes alemães, frase dita com alguma ironia por alguns mais afeitos ao cinema hollywoodiano.

Adeus, Lênin (Goodbye, Lenin!; 2003), de Wolfgang Becker, guarda poucas relações com este cinema exigente que se via então. Há o humor germânico mais pesado e elaborado que aquele a que estamos habituados. Há intenções críticas de observar as mudanças na sociedade alemã depois da queda do muro de Berlim, em 1989. Certas formas de composição visual denotam alguma inquietação formal. Mas Becker não é nenhum Alexander Kluge, o mais extraordinário dos realizadores teutônicos; falta-lhe densidade e ele utiliza sua escrita cinematográfica de maneira que o caminho do público se abra facilmente.

Não surpreende que seja um dos poucos filmes alemães que furem o bloqueio dos cinemas comerciais a outras cinematografias que não a americana. No centro da trama, uma senhora entra em coma antes da queda do muro e desperta meses depois, quando tudo está mudado na sociedade; seu filho esforça-se por evitar que ela saiba das coisas, isolando-a, para que não sofra novo e fatal enfarte. Adeus, Lênin é na verdade uma pequena anedota de que se pode desfrutar sem muitas exigências.

O tema da queda do muro de Berlim foi tratado com mais contundência crítica por Margareth Von Trotta em A promessa (1993). Outro dado curioso de Adeus, Lênin é aquela velada homenagem (não sei se inconsciente) a A doce vida (1960), de Federico Fellini: se em Fellini o filme se abre com um helicóptero carregando uma imagem de Cristo dependurada, em Becker, quase ao final, vemos um helicóptero conduzindo uma imagem de Lênin, este Cristo da revolução comunista que teve na queda do muro o fim de sua era.

Por Eron Fagundes