O HOMEM QUE ENGANOU A TODOS
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25 de outubro de 2004

No começo de O adversário (L’adversaire; 2002), rodado pela francesa Nicole Garcia, um letreiro nos informa, meio misteriosamente, que todo mundo acreditava em Jan-Marc Faure, o protagonista da história que vai ser contada. Garcia, mais conhecida como a atriz inesquecível de Meu tio da América (1980), a obra-prima do francês Alain Resnais, e que num de seus filmes anteriormente exibidos por aqui, O filho preferido (1993), centrava o foco de sua objetiva em perigosos conflitos familiares, volta a jogar-se num pesado sotaque cinematográfico francês para narrar como um homem aparentemente normal vai resolver de maneira alucinada suas questões de família.

As meias tintas e os meios dizeres de que se vale Garcia em sua linguagem cinematográfica fogem inteiramente àquele método excessivamente objetivo e mastigado do cinema dominante. O universo de Jean-Marc, sua vida de ilusão confrontado com seu cotidiano repetitivo, as retrospectivas de sua trajetória depois do desenlace inesperado (um vídeo-diário em que ele parece estar-se despedindo do mundo, o centro de eventos da Organização Mundial da Saúde de que ele diz participar, as relações do protagonista com uma gama curiosa de personagens) nunca aparece por inteiro e claramente: são anotações dispersas que se esforçam por compor um conjunto. O cinema francês sempre trabalhou assim, Jean Renoir e Eric Rohmer investem admiravelmente na dispersão de notas para produzir uma forte impressão de realidade. Garcia é discípula de seus patrícios; mas, sem a profundidade dos grandes, seu filme de quando em quando descamba para o vazio e o levemente pedante.

Mas inegavelmente a realizadora tem o dom da narrativa e logra interessar o espectador meio cansado dos meios de produção hollywoodianos. Para dar bem seu recado, Nicole Garcia conta com o notável talento de Daniel Auteuil, que dá à personagem de Jean-Marc uma unidade e uma inquietação que a fragmentação de linhas do filme nem sempre conseguiria sustentar.

Ao que se diz, extraído duma história de fato acontecida (aquelas chachinas familiares que tanto verbo rendeu ao pensador francês Michel Foucault), O adversário foi produzido pelo francês Alain Sarde, especializado em investir em películas estranhas, como algumas narrativas do norte-americano David Lynch e uma realização recentemente exibida dirigida pelo igualmente americano John McNaughton, Falando em sexo (2001).

Por Eron Fagundes