UMA LITERATURA PARA A INDÚSTRIA DO CINEMA
(ou o risível Dostoievski americano)

eron@dvdmagazine.com.br

01 de outubro de 2003

Não há como deixar de ficar com a cara no chão quando deparamos com o amor à mesmice e à obtusidade de boa parte dos filmes americanos que chegam por aqui. A desgraciosa veia romântica de uma narrativa como Alex & Emma (Alex & Emma; 2003), de Rob Reiner, se arrasta em repetições e na forma fácil com que o roteiro alinha a visão de um escritor em dívidas que deve escrever um romance em trinta dias e para tanto contrata uma estenógrafa; qualquer semelhança com o caso ocorrido no século XIX com F. M. Dostoievski é um acinte à memória do genial escritor de Os irmãos Karamazov—assim como as futilidades alinhadas no filme brasileiro Dom (2003), de Moacyr Góes, deslustram a grandeza de Machado de Assis.

A verdade é que a realização de Reiner toma por base uma bela película do inglês Karel Reisz, A mulher do tenente francês (1981), para tornar anedótico tudo aquilo que em Reisz era suprema sensibilidade. Como em Reisz, Reiner propõe em seu filme um jogo entre os planos da realidade da narrativa e uma ficção que está sendo montada (no caso de Reiner trata-se dum romance, contrapondo-se à rodagem de um filme de época no caso de Reisz); a vida dos protagonistas da fita de Reiner (o escritor e a estenógrafa) se confundem com as vidas das personagens inventadas pelo ficcionista fictício. O resultado, que poderia ser um alentado estudo sobre as relações entre o real e sua recriação em arte, é assassinado por uma previsível superficialidade romântica: tudo dentro da estereotipada cartilha do mais tolo cinema comercial.

Alex & Emma coloca diante das câmaras o nobre ofício de um literato. Mas parece estar destinado a lixeiros analfabetos.

Por Eron Fagundes