08
de maio de 2006
Ken Loach é um remanescente do grande rigor cinematográfico britânico. Em Apenas um beijo (Ae fond Kiss; 2004) ele constrói um melodrama político de rara sensibilidade. Loach é conhecido por sua afeição pelo político. Terra e liberdade (1994) e Pão e rosas (2000) são exemplos mais ou menos recentes de sua habilidade em tratar as complicações ideológicas da atualidade. Num cinema de alienação como é aquele que impera na produção comercial, Loach sai do tom, ainda mais hoje quando a política parece meio por fora.
Apenas um beijo afasta-se um pouco dos dois filmes citados e aproxima-se do jeito de Uma canção para Carla (1996) e Meu nome é Joe (1998), uma vertente da estética de Loach onde a emoção melodramática se mistura com a emoção política. O lado político de Apenas um beijo: discutir a intolerância humana em todas as latitudes; se a família muçulmana do jovem descendente de paquistaneses não tolera em hipótese alguma que ele se case com uma branca européia, o meio profissional católico da garota irlandesa é intransigente com seu concubinato com alguém de fora da religião tradicional ocidental; assim, Apenas um beijo é uma reflexão sobre o fato de que o racismo (que é a materialização da intolerância nata do homem –dificuldades de aceitar o diferente) não tem cor, está entre os morenos paquistaneses e os brancos irlandeses; no meio desta guerra, o sofrimento de dois jovens que se amam, o filhinho de família dum grupo étnico evadido do Paquistão e a batalhadora professora de música nascida na Irlanda, ambos coabitando os espaços conflituados de Glasgow, na Escócia.
A virulência crítica de Loach começa já nas primeiras imagens, quando uma jovem paquistanesa (irmã do protagonista, como se verá logo no filme) discursa para uma platéia de estudantes, deblaterando contra o racismo e revelando as várias influências étnicas e religiosas que formam sua personalidade (de origem paquistanesa, muçulmana, torcedora de um clube de futebol escocês, estudante duma escola católica). Começando desta forma, Apenas um beijo é também um hino aos aspectos multiformes da natureza humana.
Por
Eron Fagundes