09 de maio de 2008
Apenas uma vez (Once; 2006), filme irlandês dirigido por John Carney, tem lá seus problemas em manipular as associações entre cinema e música, às vezes sobressai e logo se esvai na elasticidade sonora porque o cinema mesmo parece ser esquecido por Carney, cujo encantamento pelas canções singelas e divagantes não tem o estofo que o norte-americano Martin Scorsese empresta à visão fílmica da musicalidade em Shine a light (2008). Mesmo assim, mesmo sem ter uma presença forte em nossa retina, Apenas uma vez não deixa de ter seu envolvimento com o espectador; é uma emotividade em tom mínimo, mas tem sua carga de interesse.
Excetuando-se os filmes de Neil Jordan, cineasta já consagrado internacionalmente, o cinema irlandês é desconhecido por aqui e, como ocorre com todos os cinemas de língua inglesa, corre o risco de submergir ao ser confundido com o majoritário cinema americano. Daí outro dado que pode levar o observador a valorizar uma película discreta e bem feita como Apenas uma vez.
O filme trata de um músico de rua que, para sobreviver, ajuda seu pai numa loja que conserta aspiradores de pó. É curioso que no romance Casei com um comunista (1998), do escritor norte-americano Philip Roth, um artista (no ano, um escritor), logo depois que perdeu seu emprego de professor universitário em face de perseguição por acusação de comunista, se entrega a uma atividade assemelhada, vender aspiradores de pó. Teria Carney lido o livro de Roth?
Um belo dia o músico topa com uma jovem imigrante tcheca, que vive com uma mãe, tem uma pequena filha e é casada com um homem mais velho. O músico tem sua amada em Londres, amada que o magoou certa vez. O desenvolvimento do filme segue o amor platônico do músico e da jovem tcheca com comovente sensibilidade e interesse. E as canções se entranham tensa e nervosamente na narrativa.
Apesar de seu final levemente melancólico, Apenas uma vez é um hino a este tipo de amor entre um homem e uma mulher que permanece dentro da cerca espiritual em face das hesitações carnais.
Por
Eron Fagundes