22 de fevereiro de 2007
A ultraviolência caracteriza a persona cinematográfica do norte-americano Mel Gibson, cujo estrelato na tela começou ao viver o tenso herói de Mad Max (1979), dirigido pelo australiano George Miller. Esta ultraviolência de Gibson permitiu que ele dirigisse uma torta releitura do Novo Testamento em A paixão de Cristo (2004): a mão pesada do cineasta e sua constante insistência em formatar a trajetória de Jesus num filme de horror e sangue estereotipavam sua visão religiosa. Enfim, com Apocalypto (2006), apesar de suas incrongruências históricas e a superficialidade de sua visão dos povos primitivos abordados, Gibson surpreende: faz um espetáculo verdadeiramente provocativo e divertido em todos os seus exageros de brutalidade.
A ultraviolência concebida por Gibson não é aquela violência inaudita criada no cinema pelo norte-americano Stanley Kubrick em Laranja mecânica (1971) a partir do universo do ficcionista inglês Anthony Burgess: falta a Gibson o agudo senso crítico de Kubrick. Nem é a violência plástica erigida pelo norte-americano Sam Peckinpah: a beleza impactante da floresta e de suas crueldades em Apocalypto é bastante direta e está longe das sutilezas estéticas de Peckinpah. Ou seja: Gibson não é um autor, mas preenche com brilho a necessidade do entretenimento cinematográfico.
Ambientando sua história na controvertida civilização maia dos tempos ancestrais da América, Gibson cria seu herói que incrivelmente nunca morre, o nativo Pata de Jaguar, para exibir com requintes sadomasoquistas insuperáveis toda a selvageria do homem ao longo da história. Esta selvageria do tema se insinua na forma de filmar, criando uma ferocidade fílmica. É bom salientar, todavia, que selvageria mais se aproxima dos aspectos mundanos do lado selvagem de Canibal Holocausto (1980), do italiano Ruggero Deodato, do que daquela feitura estética autenticamente selvagem de obras formal e tematicamente mais empenhadas, como Aguirre, a cólera dos deuses (1972), do alemão Werner Herzog, e O novo mundo (2005), do norte-americano Terrence Malick.
Assim, pondo Gibson em seu devido lugar, pode-se melhor apreciar aquilo que de relevante possa ter seu filme, que deve ferir as almas sensíveis mas pode surpreender os que acompanham a rotina do cinema de espetáculo.
Por
Eron Fagundes