24 de outubro de 2006
Relativamente ao outro filme do cineasta sul-coreano Kim Ki- Duk conhecido por aqui, O arco (2005) representa um avanço plástico na direção de um cinema elaborado e cerebral que sua direção persegue. Aquilo que em Casa vazia (2004) parecia um maneirismo intelectual e meio desequilibrado como forma cinematográfica (algo que se poderia chamar o lado oriental e talhado do realizador italiano Michelangelo Antonioni), em O arco se converte numa estrutura cinematográfica onde a natureza pictórica da imagem e a dolente faixa sonora com acordes intensos atingem uma poesia visual de rara densidade.
Como ocorria em Casa vazia, o casal de protagonistas não emite palavras ao longo da narrativa. Centrado nas relações enviesadas entre um velho e uma garota recolhida ou seqüestrada pelo velho quando ela era criança visando a um futuro casamento, O arco põe em cena ainda alguns pescadores que vêm a cruzar a paz longínqua do casal central nas solidões marítimas; o filme usa com muita propriedade a claustrofobia dos grandes espaços de mar, há uma plástica sufocante nesta utilização. Mesmo seduzida por outras atrações que chegam, como um jovem pescador que a reqüesta, a garota não deixa de extravasar seu amor pelo velho, ao mesmo tempo um pai e um marido, com aquelas implicações íntimas e místicas a que só um oriental poderia aspirar; a belíssima seqüência de cerimônia de casamento, com o velho e a moça trajados com uma abundância de cores e paramentos digna de um conto antigo e maravilhoso, coroa esta paixão irresistível entre as personagens, que ultrapassa a questão física e se aproxima da alma.
Aquele constante jogo de arco e flecha, o velho testando sua concentração ao disparar a flecha enquanto a garota se embalança a sorrir como se estivessem numa roleta russa de circo, é o nervo da simbologia do filme. O arco é a potência sexual e a flecha é o órgão de penetração; isto fica claro quando, no final, após o suicídio do velho nas águas marítimas, a garota entra em êxtase erótico e uma flecha é disparada na direção de seu sexo, surge o sangue como se fosse a comprovação de sua virgindade imolada ao amor do velho; a flecha do velho que sempre lhe raspava a carne, agora finalmente se introduziu na menina que se torna mulher.
O arco supera certos problemas estéticos do cinema de Ki-Duk e, superando o espectador certas dificuldades de assimilação da linguagem cinematográfica oriental, pode ser considerado como um dos mais bonitos filmes exibidos este ano em Porto Alegre.
Por
Eron Fagundes