CLIMAS ESTRANHOS EM FILME BRASILEIRO
 

 

27 de junho de 2006

Se Árido movie (2006), dirigido pelo pernambucano Lírio Ferreira, não chega a realizar-se plenamente (seu aspecto de filme de estrada se desnivela aqui e ali formal e emocionalmente), ao menos produz uma série de climas estranhos que recheiam a curiosidade do espectador pelo cinema brasileiro. Uma destas estranhezas é a presença do homem de teatro José Celso Martinez Correa na pele de uma personagem mística e messiânica chamada Meu Velho e que é uma espécie de luz numa comunidade perdida no interior nordestino; a viagem de Jonas, interpretado com ingênuo desembaraço por Guilherme Weber, ao interior de sua infância que já não lhe diz nada, para o enterro de um pai assassinado que também significa pouco para sua vida atual, está cheia de lances insólitos, desde sua parceria  com uma mulher que está indo para o lugarejo e lhe oferece carona (Giulia Gam, outro nome duma geração intermediária de intérpretes brasileiros), até o contato com sua família meio subterrânea que lhe transmite o desejo de que ele vingue a morte do pai.

Ferreira filma o Nordeste árido, seco, para utilizar a metáfora duma sociedade futurista sem água. A ecologia e as preocupações com o futuro da humanidade perpassam esta narrativa de um périplo na verdade ancestral. Certos ícones da imagem cinematográfica brasileira estão em Árido movie: Paulo César Pereio, José Dumont, Renata Sorrah. O irrequieto Selton Mello está tão solto dramaticamente quanto fora de forma física com sua indecente barriga exposta à luz da câmara. O realizador nordestino executa sua miscelânea com uma certa graça, mas sem muito fogo, o que é mortal para, em boa parte do filme, entediar o observador.

Anote-se que o cinema pernambucano tem-se alastrado pela geografia de distribuição do cinema brasileiro nos últimos anos. Houve o contundente Amarelo manga (2002), de Cláudio Assis: desbocado e desglamurizado. E Cinema, aspirinas e urubus (2005), de Marcelo Gomes, apesar de sua pouca inventividade e de seu ritmo arrastado, teve os favores de uma certa crítica. Creio, porém, que Árido movie, em sua rispidez e distanciamento característicos, tem mais relações com a acidez dramática de Cidade baixa (2005), do baiano Sérgio Machado: embora a percepção cinematográfica de Ferreira seja bem menor que a de Machado.

Por Eron Fagundes

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