BALANÇO DE 2007
 

 

20 de janeiro de 2008

Foram doze os grandes filmes de 2007 em Porto Alegre. Ei-los, por ordem de preferência:

1 – Império dos sonhos, de David Lynch (2006). Os nós de compreensão do cinema de Lynch chegam a um perigoso ponto de saturação, mas se ele está precisando de psiquiatra, como disseram, que se dirá de nós, seus espectadores cativos?

2 – Santiago, de João Moreira Salles (2007). O melhor filme brasileiro do ano. Salles olha para seu umbigo, pode ser acusado de filhinho de papai que faz cinema, mas seu árido “império interior” se veste de sofisticado mordomo estrangeiro para construir um filme único de nosso cinema.

3 – Maria, de Abel Ferrara (2005). O ponto de transbordamento do cinema de Ferrara. A questão mística é vertida com translúcida complexidade pelo realizador. Como ocorreu com a personagem de Laura Dern em “Império dos  sonhos”, de Lynch, a de Juliette Binoche, que é também uma atriz-personagem, se deixa dominar por seu doloroso papel no cinema depois que terminam as filmagens; isto é,a personagem se cola na atriz. Entre outras coisas, Ferrara discute as banalidades comerciais do cinema de hoje.

4 – Lady Vingança, de Park Chan-Wook. O brilho e a invenção narrativos do realizador sul-coreano, com fortes doses de provocativa violência, humana e estética. Mas é uma violência que se impõe por um sentido de criatividade oriental, diferente do que fazem os norte-americanos Sam Peckinpah e Quentin Tarantino. A seqüência de vídeos de maldade com crianças, vistos pelos próprios pais das vítimas, é uma peça de perversidade antológica.

5 – O sabor da melancia, de Tsai Ming-Liang (2005). Outro oriental em estado de graça. É um Ming-Liang gracioso, divertido, mas sempre formalmente rigoroso como evento plástico. Os interiores da melancia simulando as entranhas do órgão sexual feminino é um achado sígnico do filme.

6 – Viagem a Darjeeling, de Wes Anderson (2007). Com muita comicidade, Anderson trata da questão da busca do eu. Três irmãos diferentes e, cada um a seu jeito, engraçados vão à Índia à procura da mãe e da razão de viver. Um pequeno filme, “Hotel Chevalier”, inserido no prólogo, é um belo intróito para as perguntas plásticas e místicas da realização.

7 – A pedra do reino, de Luiz Fernando carvalho (2007). Um filme brasileiro que passou batido pela crítica e pelo público, ambos mais interessados em acusar ou defender um filme como “Tropa de elite”, de José Padilha. Não é para menos o desdém para com o filme de Carvalho. Extraída do romance do paraibano Ariano Suassuna, a realização nasce primeiro como série televisiva e depois vai para o cinema; Irandhir Santos como o protagonista exala raízes glauberianas, uma personagem que parece devorar o celulóide.

8. O cheiro do ralo, de Heitor Dhalia (2007). Um filme brasileiro estranho e inusitado, terrível em seu cheiro de esgoto. Selton Mello mostra que pode ser um bom ator. E Dhalia exaspera no absurdo meio kafkiano de suas situações.

9. Ventos da liberdade, de Ken Loach (2006). O preciso cinema político de Loach trata a eterna rivalidade entre ingleses e irlandeses com uma transcendência emocional capaz de interessar mesmo aqueles que estão à distância das questões abordadas.

10. A comédia do poder, de Claude Chabrol (2006). O veteraníssimo diretor francês em seu melhor filme em várias décadas. A magistrada interpretada magnificamente por Isabelle Huppert é a personagem do ano. Demais, o tema da corrupção a partir das ligações entre empresários e políticos é tão francês quanto brasileiro.

11. A rainha, de Stephen Frears (2006). Helen Mirren como a rainha britânica é outro dos desempenhos notáveis da temporada. O dueto entre a rainha e seu primeiro-ministro é feito com notável cronometria por Frears.

12. O sobrevivente, de Werner Herzog (2006). Houve quem achasse que o alemão Herzog se americanizou demais. Balela. Herzog, da mesma maneira que em seus filmes na Amazônia, filma a selva com uma textura única no cinema. A personagem do piloto germânico, naturalizado americano, que se perde nos matos vietnamitas durante um vôo de reconhecimento, é tão demente e delirante quanto as outras criaturas de exceção de Herzog.

Além destes, merecem referências como bons filmes: Medos privados em lugares públicos, de Alain Resnais; Batismo de sangue, de Helvécio Ratton; Baixio das bestas, de Cláudio Assis; Depois do casamento, de Susanne Bier; Lady Chatterley, de Pascale Ferran; 30 dias de noite, de David Slate; Amantes constantes, de Philippe Garrel; Pro dia nascer feliz, de João Jardim; Fora de jogo, de Jafar Panahi; Fabricando Tom Zé, de Décio Mattos Jr.; Atravessando a ponte: o som do Istambul, de Faith Akin; Maria Antonieta, de Sofia Coppola; Pai e filho, de Aleksandr Sokurov; Scoop, o grande furo, de Woody Allen; People, histórias de Nova Iorque, de Danny Leiner; Tropa de elite, de José Padilha; Primo Basílio, de Daniel Filho; O mundo em duas voltas, de David Schürmann; A leste de Bucareste, de Corneliu Porunboiu; Nome de família, de Mira Nair; e As aventuras de Azur e Asnar, de Michel Ocelot.

Entre as exibições marginais, duas notáveis: The devil and Daniel Johnston, de Jeff Feuerzeig; e Tarnation, de Jonathan Caouette.

Houve três eventos cinematográficos que me pareceram os principais do ano. Uma revisão dos filmes de Alexander Kluge na Sala P.F. Gastal, numa promoção conjunta com o Instituto Goethe; Kluge está, lado a lado com o italiano Roberto Rossellini (falecido) e o espanhol Carlos Saura (vivo), entre os três maiores cineastas da história do cinema. Uma retrospectiva do falecido diretor norte-americano John Cassavetes, na Casa de Cultura Mário Quintana; Cassavetes é um mestre da improvisação que se organiza lentamente. E o terceiro festival de cinema fantástico, cognominado 3º Fantaspoa e promovido pelo Clube de Cinema de Porto Alegre, onde se puderam ver ou rever clássicos como “Vampiros de almas”, do norte-americano Donald Siegel, e “Dias de ira”, do dinamarquês Carl Theodor Dreyer, e obras de George A. Romero (americano) e Mario Bava (italiano) entre outras.

Enfeixando, os dez piores filmes do ano, por ordem de ruindade: Luzes do além, de Patrick Lassier; Os mensageiros, de Oxide Pang Chun e Danny Pang; Motoqueiro fantasma, de Mark Steven Johnson; Quarteto fantástico e o surfista prateado, de Tim Story; O homem-aranha 3, de Sam Raimi; Resident evil: a extinção, de Russell Mulcahy; O cavaleiro Didi e a princesa Lili, de Marcus Figueiredo; Sem reservas, de Scott Hicks; Piaf: um hino ao amor, de Olivier Danahan; Arthur e os miniboys, de Luc Besson.

Por Eron Fagundes

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