10 de outubro de 2007
Quem filma Bem-vindo a São Paulo (2007), o quase-documentário que apresenta visões diversificadas e fragmentadas da capital paulista? Por exemplo: o segmento Modernidade é atribuído ao israelense Amos Gitai, que estaria dando cinematograficamente seu olhar sobre São Paulo. Em muitos trechos deste excerto acompanhamos uma entrevista que a câmara faz com Gitai; uns planos muito próximos da fala do realizador vão descrevendo seu vomitório verbal, que dá pistas sobre sua teoria de cinema onde este processo de escolha entre o que vai aparecer no quadro e aquilo que sobra, que está fora do quadro, produz a dialética estética que vem a ser o cinema mesmo; Gitai fala da câmara que segue pelo corredor de um hotel, gostaria de saber se após sua partida de São Paulo vão continuar a fazer as filmagens que ele idealizou para a cidade. Quem filmou as cenas de Modernidade? Aquele travelling com profundidade de campo, a quem cabe? E se Gitai, como seus parceiros, tomou a câmara, filmou o material em bruto, quem montou o material? Teria sido montado depois por outros que não os cineastas?
Leon CaKoff, mentor da Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, idealizou o projeto e convidou diversos realizadores de várias partes do mundo (que estavam em São Paulo para a mostra) a darem seus depoimentos sobre a cidade dele, Leon. Caetano Veloso e sua canção “Sampa” são os elementos de ligação narrativa do documentário. Em Alguma coisa acontece a voz sussurrada de Maria de Medeiros (atriz e diretora do episódio) dá som à letra de Caetano; no fim da projeção é o próprio Caetano quem canta sua poesia. É Caetano quem, longamente, sobre as imagens e os créditos finais, recita nomes de origem indígena (tupi-guarani), criando uma antítese do pretenso cosmopolitismo da metrópole, buscando raízes arraigadamente nacionais.
Bem-vindo a São Paulo despersonaliza quase inteiramente os cineastas de que usa. Assim, sua disparatada forma é mais irregular que aquela de Paris, te amo (2006), onde um dos episódios foi co-dirigido por Daniela Thomas (com Walter Salles, no filme francês); Daniela assina um dos episódios do filme brasileiro. É difícil identificar a estilização de filmar do taiwanês Tsai Ming-Liang ou do israelense Amos Gitai nos fragmentos a eles atribuídos. Imagino que eles talvez tenham rodado as cenas, mas foi Cakoff e seus auxiliares quem montou o material no fim; o resultado é um filme de Cakoff, sentimentalmente paulista, desbotado às vezes, mas sempre sincero em sua doce ingenuidade.
Talvez por isso o fragmento Esperando Abbas, dirigido por Leon, seja o mais denso e característico de todos, aquele em que o documentário, saindo de sua frieza formal, atinge parcelas mais humanizadas. Leon segue candidamente numas ruelas paulistanas um rapaz que vive nas ruas outrora filmado por Abbas Kiarostami como um garoto de rua. Leon tenta seguir as lições de Kiarostami, mas o espectador sempre se lamenta que não é o cineasta iraniano quem está ali. Quem sabe um dia ele volte e possa então refazer todo Bem-vindo a São Paulo, produzindo algo mais identificavelmente pessoal. Por enquanto, em matéria de visão fílmica de São Paulo (fora da ficção de Walter Hugo Khouri, Luiz Sérgio Person ou Carlos Reichenbach) eu fico com São Paulo, sinfonia e cacofonia (1995), de Jean-Claude Berrnardet.
Por
Eron Fagundes