20
de março de 2006
Em muitos aspectos, o filme Boa noite e boa sorte (Good night, and good luck; 2005), dirigido pelo ator-diretor norte-americano George Clooney, surpreenderá o espectador. Esqueça-se o jeito travesso de interpretação que Clooney passou como estereótipo para seus desempenhos no cinema comercial: embora Clooney apareça na fauna de jornalistas em torno da qual a narrativa se estrutura, e não fuja da imagem duma interpretação simplificada e quase obtusamente objetiva, o que interessa aqui é o Clooney diretor, que investe num cinema jornalístico e politicamente empenhado sem concessões ao público que paparica o Clooney ator, facilmente digerível pelas platéias; a obra cinematográfica de Clooney remete a uma vertente fílmica do cinema americano mais dura e impiedosa como A sangue-frio (1967), de Richard Brooks, e Testa-de-ferro por acaso (1976), de Martin Ritt, este também um filme-denúncia, social e claro como Boa noite e boa sotre, curiosamente ambos tratando da mesma quadra política, a caça às bruxas comunistas promovida pelo senador McCarthy.
David Strathairn na pele do jornalista Edward R. Murrow é uma das nobrezas do filme; sua segurança e engenhosidade são tão boas, rigorosas e precisas quanto a de Philip Seymour Hoffman para construir o Truman Capote da fita de Bennet Miller. Mas, diversamente do que ocorre em Capote (2005), não é o ator o único veio de sustentação da narrativa: em Boa noite e boa sorte a questão da liberdade de imprensa e do compromisso de cidadão, mais uma certeira crítica à alienação duma certa televisão, são aprofundadas pelo cineasta, como não o soube fazer Miller no seu desenho de obscuridades da alma de Truman Capote. Prefiro Clooney e seu jornalismo cinematográfico, filmado em um preto-e-branco que reconstitui em imagens e sons a nostalgia de uma época tão difícil quanto provocadora.
Por
Eron Fagundes