AS HISTÓRIAS DE XAVIER
 

 

29 de maio de 2006

AXavier, o escritor-personagem do filme francês Bonecas russas (Les poupées russes; 2005), dirigido por Cédric Klapisch, vai dispondo meio arbitrariamente as fragmentárias cenas de sua vida, onde busca exercitar sua necessidade de contar histórias (e contar histórias verdadeiras), e com estas cenas o cineasta do filme que se está vendo na tela monta uma narrativa quebradiça, que dispersa a atenção do espectador e muitas vezes provoca mesmo o desinteresse pelo que está acontecendo. É como se a personagem de Xavier fosse o próprio diretor do filme, ou o contrário: Klapisch constrói Xavier, valendo-se da figura opaca de Romain Duris, como se Xavier fosse o alter ego do realizador. O descosido montado com trivialidades é bastante comum no cinema francês; mas em Bonecas russas o que deparamos é a forma mais trivial e tediosa deste descosido; Klapisch não tem a habilidade de desfragmentar a narrativa e manter uma tensão dramática ou poética para segurar o interesse do observador, como já se evidenciava em sua película anteriormente vista por aqui, Albergue espanhol (2002), também com  a personagem de Xavier desfiando episódios pessoais para utilização na tela. (Um amigo, o escritor gaúcho Juremir Machado da Silva, em conversa pessoal, comparou este filme francês com o cinema praticado pelo gaúcho Jorge Furtado; Juremir é um desafeto do cinema de Furtado, que, segundo ele, é superficial, isto é, sem profundidade dramática; de qualquer maneira, Furtado me parece bem mais inquieto estilisticamente do que Klapisch).

Como a criatura de Xavier não tem o gênio do romancista norte-americano Henry Miller, que revolucionou a literatura do século XX só falando de si mesmo, Bonecas russas frustra bastante. O protagonista Duris tem um desempenho próprio da babaquice francesa. As mulheres é que estão melhores: como François Truffaut, pode-se dizer que Klapisch tem uma afeição por dirigir mulheres, imprimindo a esta direção de mulheres uma inevitável carga erótica.

Mas não é a Truffaut que Bonecas russas remete essencialmente a lembrança do cinéfilo. Dentro de seu aparato do mal feito narrativo, o filme, com sua metralhadora de tiros fragmentados, tenta atualizar, por exemplo, Acossado (1959), de Jean-Luc Godard; num determinado e breve plano a garota com quem Xavier tem um caso dá-lhe uma tapa na cara, como fazia Jean Seberg no rosto vagabundo de Jean-Paul Belmondo em Acossado. Assim, Bonecas russas é um dos muitos filmes atuais que podem ser tachados de reboquistas, termo cunhado nos anos 80 pelo crítico Tuio Becker para definir os filmes que vinham a reboque de outros filmes originais e autênticos; para o espectador que vê incansavelmente cinema há várias décadas, Bonecas russas é, falando objetivamente, um pontapé no saco.

Por Eron Fagundes

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