03 de setembro de 2007
É a própria conversão do cinema em musicalidade. Brasileirinho (2007), documentário dirigido pelo finlandês Mika Kaurismaki (que reside há doze anos no Brasil), é acima de tudo extremamente bom de ouvir: a tentação às vezes é fazer como um dos músicos em cena quando toca, fechar os olhos e deixar que a emoção sonora, intensa, mergulhe dentro de nós; esqueça a aparente ingenuidade da imagem e se converta à complexidade do som, trepidante, alucinada, invasora. Um dos músicos entrevistados pelo documentário, ao referir Pixinguinha, onde se cruzaram os elementos do samba com os do choro, lembra que no quintal da casa do famoso compositor, onde se depositavam orixás e imperava o candomblé, acontecia o samba, mas a sala era o lugar do choro, o gênero musical primeiro do país e que é objeto da realização de Kaurismaki. Entre o quintal e a sala, a realidade musical brasileira batutada pelo gênio de Pixinguinha.
Brasileirinho é a conversão do cinema em musicalidade, não propriamente em música; é a capacidade de Kaurismaki de transformar suas imagens em autênticas notas musicais para além dos sons que elas captam. É emocionante especialmente ouvir esta dama impagável do som que é a cantora Zezé Gonzaga, o Zé da Velha e tantos outros que preenchem o filme com seu iluminado brilho individual. A característica profundamente brasileira surpreende vinda de um finlandês; isto significa que Mika tem em sua alma muito do sangue brasileiro.
Por
Eron Fagundes