A ASPEREZA DINAMARQUESA
 

 

05 de janeiro de 2006

Creio que o gênio do cinema dinamarquês atual é Lars Von Trier, o único que pode equiparar-se ao rigor e à profundidade estéticos do clássico Carl Theodor Dreyer. Mas, graças ao prestígio de Trier e à sua audácia em propor uma revolução cinematográfica a que chamou Dogma 95, se criou em torno de seu nome satélites que prometem ser lendários, mas cuja capacidade de sobrevivência nos anos do cinema é questionável.

Susanne Bier é um destes indivíduos que circulam nas sombras de Von Trier. Brothers (Brode; 2004) é o segundo filme dela que aporta aqui; o outro, Corações livres (2002), era uma curiosidade de câmara livre e narrativa aberta. Brothers é menos bem-sucedido: a aspereza de seu rigor formal incomoda seguidamente e aborrece em quase todos os planos; a trivialidade em que os propósitos do Dogma 95 se deleitam para despir de artifícios o cinema, parece opaca e sem transcendência em Brothers. É bem verdade que uma análise assim, feita de minúcias formais e obediente ao velho estigma autoral, pode parecer anacrônica diante daquilo que veio instaurar o excêntrico movimento cinematográfico escandinavo. Mas, inevitavelmente, Brothers não é um filme defensável, que origine prazer e proporcione um autêntico desfrute crítico, que é algo que o Dogma 95 não pôde acabar: os filmes de Von Trier, todos excepcionalmente prazerosos mesmo dentro de sua secura e rigor, o revelam.

A trama de Brothers mistura meio disparatadamente duas realidades; uma realidade de conflito familiar dinamarquês em que dois irmãos se digladiam depois que, dada a ausência de um por motivos bélicos, o outro se afeiçoa (sem consumar nada) à esposa do ausente; e uma outra realidade de um oficial dinamarquês feito prisioneiro de fanáticos árabes no Afeganistão. Na verdade, Bier não organiza bem nenhuma das realidades de que se cerca: até a simbologia do olho em primeiro plano, com as frases de amor de um homem cuja voz parece perturbada, abrindo e fechando o filme, se afigura gratuita e superficial .

Por Eron Fagundes

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