UM CASAL EM PÂNICO
 

 

06 de junho de 2006

AO austríaco Michael Haneke é um cineasta que trabalha com a entre-imagem, aquilo que fica entre uma imagem e outra, os sujeitos e os objetos ocultos da linguagem cinematográfica. Caché (2005) é um novo jogo de esconde-esconde que o cérebro fílmico de Haneke arma com (e não para) o espectador; estes aspectos da direção de Haneke têm tanto de gratuito estilístico quanto de contundência temática, e não deixam indiferente o observador, cuja reação epidérmica é de uma insegurança que não topa justificativa naquilo que as imagens mostram – o realizador manipula o horror íntimo, um horror que vem de estar vivo, e descarta amplamente o horror físico que interessa a diretores americanos como John Carpenter, Wes Craven ou William Friedkin: o susto, em Haneke, vem de dentro, não de fora; nós, os assustados, somos o próprio susto.

O claustrofóbico maneirista de Funny Games, violência gratuita (1997) foi aprimorado criticamente em Código desconhecido (2000) e A professora de piano (2001), revelando em Haneke um cultor da duração psicológica do plano: ele sabe armar um plano-seqüência, evocando seu sentido pelo tempo de um plano fixo ou pela sinuosidade de um travelling. Em Caché o cineasta está na posse madura de suas faculdades de expressão: o plano geral fixo duma visão de entre-prédios com uma rua no meio com carros estacionados, que abre o filme é tão exacerbante quanto elaborado, assim como o travelling-cobra em que Haneke acompanha seu protagonista dirigindo-se pelo corredor ao apartamento do homem de quem há suspeita de estar infernizando a vida daquele casal de classe média francesa vivido com absoluto domínio por Daniel Auteuil e Juliette Binoche (ela foi vista em caminhadas esquizofrênicas em Código desconhecido).

De uma certa maneira, o argumento inicial de Caché é idêntico ao de Sobre meninos e lobos (2003), de Clint Eastqood, ao localizar na infância as motivações dos traumas e dos acontecimentos traumáticos da idade adulta; mas Haneke situa-se no pólo oposto da objetividade americana, não lhe interessa explicar por uma trama lógica o que o espectador está vendo (quem está mandando as fitas de vídeo, como funciona uma possível ira trazida da infância), Haneke constrói a máxima subjetividade cinematográfica, onde a lógica não é só a dos fatos mas a das sensações, como no universo dos  sonhos. Assim, mais do que todos os pânicos que o cinema americano joga sobre a juventude de hoje que vai ao cinema, Caché tem uma estranheza que aterroriza; daí a insatisfação que se acerca do espectador habitual diante de um filme que propõe estes liames interrogativos.

Por Eron Fagundes

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