UM CONCERTO DA NATUREZA
 

 

03 de outubro de 2005

A natureza é a verdadeira personagem de Camelos também choram (Die geschitchte weinenden kamel; 2003), rodado por uma mulher da Mongólia, Byambassuren Davaa, e pelo italiano Luigi Falormi. A obsessão do natural é máxima neste filme que recaptura a atualiza os velhos filmes ao ar livre de Robert J. Flaherty. Na cena inicial um homem está empilhando lenha no desolado cenário do deserto. E a narrativa, que é semidocumental (acompanha um mês na vida duma família nômade, mas constrói as cenas, simulando uma ficção –a figuras da realização interpretam seus próprios papéis, pode-se dizer), vai neste andante: detém-se sobre os problemas de “relacionamento” duma mãe-camelo com seu bebê-albino; enquadra o pôr-do-sol do deserto em que as peças da ambientação são os animais e os arbustos; vê a vida de um ponto de vista tão objetivo quanto mágico.

Pode-se afirmar que, em Camelos também choram, o homem se equipara ao animal como peça do grande concerto da natureza. A mamãe camelo e seu filhote são creditados no fim do filme: não é uma ironia, nem uma brincadeira; é algo sério, uma situação que corresponde àquilo que o filme é como linguagem. De fato: uma seqüência crucial da fita é a filmagem do doloroso parto. Há um bebê-homem em cena que chora seguidamente, tão precisado de afeição quanto o camelo-albino rejeitado por sua mãe. O ser humano, em Camelos também choram, é tocado pela saudável e despojada animalidade dos bichos; os camelos, em contraponto, sofrem o impacto duma humanização que os surpreende.

Particularmente bela é a utilização da música e do canto para aproximar amorosamente mãe e filho camelos. É uma seqüência surdamente telúrica, atinge as vísceras do celulóide. Um músico contratado toca seu instrumento. A mulher emite uma toada suave, insistente, persuasiva, ecoante. Da fusão de elementos vários, combinados com simplicidade e profundidade, Camelos também choram retira sua beleza, convertendo-se num destaque obrigatório na temporada de cinema de 2005.

Por Eron Fagundes

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