A FANTASIA DO EMPREGO SULINO
eron@dvdmagazine.com.br

27 de outubro de 2003

Marcado pelas evocações (que talvez sejam só deste comentarista) de Vidas secas (1963), do brasileiro Nélson Pereira dos Santos, e de A estrada (1954), do italiano Federico Fellini, o filme brasileiro O caminho das nuvens (2003), de Vicente Amorim, não tem as asperezas criativas de linguagem de Nélson (com aquela luz crua do sertão e aqueles planos de metódico despojamento) nem as explosões barrocas de Fellini ao incursionar por certos aspectos de circos ambulantes dos interiores do mundo. A realização de Amorim apresenta uma narrativa dispersiva, sem vigor dramático nem expressividade de personagens; seu pendor documental, contrariamente ao que ocorre em Amarelo manga (2002), de Cláudio Assis, não constrói seu próprio ritmo em imagens, está precariamente dissolvido na individualidade dos planos cinematográficos – um passeio frouxo de bicicleta pelo país de norte a sul, opondo a pobreza daquele à riqueza deste.

Amorim diz ter extraído seu argumento duma notícia veiculada pela televisão: uma família de nordestinos teria cruzado o país a bordo de bicicletas. Apesar dessa referência real, O caminho das nuvens exala uma incômoda falsificação. Dedicado ao cantor popular Roberto Carlos, cujas músicas são entoadas por uma desajeitada Cláudia Abreu, o filme, vamos corrigir a frase de abertura deste texto, deve sua linguagem mais aos modelos televisivos do q ue aos clássicos do cinema que antes citei.

Por Eron Fagundes