23
de maio de 2007
Cão
sem dono (2007) é uma baixa na filmografia
do paulista Beto Brant, diretor de alguns dos melhores
filmes brasileiros de hoje, como O invasor (2001)
e Crime delicado (2005); co-dirigido pelo também
paulista Renato Ciasca, Cão sem dono parece
contaminado pelo estilo narrativo amorfo e sonolento
da literatura de Daniel Galera, de onde o próprio
filme veio, pois seu roteiro foi extraído
do livro de Galera Até o dia em que o cão
morreu. Os aspectos cinzentos do filme (uma fotografia
descolorida e escurecida, um visual forçadamente
desglamurizado) buscam indicar os caminhos de tédio
sentimental do protagonista, mas é o próprio
espectador que, no fim das contas, cruza um roteiro
sem perspectiva, vazio mesmo; ao esforçar-se
por retratar a ausência de rumos de parcelas
fundamentais da juventude brasileira atual numa metrópole
(ainda que provinciana, como Porto Alegre), Brant
e Ciasca inundam sua linguagem cinematográfica
de pontos fundos de tédio.
Sabe-se
que o cinema de Brant é afeiçoado ao uso dos artifícios
literários. Em Cão sem dono surgem novas citações:
ao russo Dostoievski e ao gaúcho Sérgio Faraco, cujo livro Lágrimas
na chuva (2002) tem um de seus trechos mais bonitos lido pelo protagonista. Brant
e Ciasca misturam estas referências livrescas com uma dialogação
e um gestual dos atores que buscam a espontaneidade na captação
naturalista da vida da classe média em Porto Alegre; mas este natural
aparece meio artificioso em cena, tem a ver com um retrato sociológico
estático e perde aquela dinâmica de construção das
personagens exibida em Crime delicado.
As
trivialidades se amontoam adrede ao longo de Cão sem dono, os lugares-comuns
exacerbam a paciência do observador, levam inevitavelmente ao tédio,
a caracterização do vazio é pouco expressiva em cena. O
comentado contraste inicial entre a cena carnal de abertura e a seqüência
seguinte, um café da manhã onde os amantes são mesmo estranhos
um para o outro, tem uma intenção adequada, mas este contraste
não é plenamente realizado.
De
qualquer maneira, sempre poderá haver algum jovem de hoje que se identifique
com Ciro e uma Marcela pode surgir na platéia espelhando-se na Marcela
do filme. Como disse Ciasca, é bem possível que certas situações
da narrativa se colem nas experiências de algum espectador.
Por
Eron Fagundes