AS MÃOS ATADAS DA CLASSE MÉDIA
 

 

25 de março de 2008

É singelo, despojado e também simplório o retrato que o cineasta Chico Teixeira faz das pequenas vidas urbanas brasileiras em A casa de Alice (2007). Como Mutum (2007), dirigido por Sandra Kogut, o filme de Teixeira despeja gotas documentais em sua confecção; como ocorreu com o filme de Sandra, o de Chico angariou simpatias de certas faixas da crítica em face duma esforçada e sempre bem-vinda aproximação a uma realidade natural brasileira. Mas tanto Sandra quanto Chico não exploram em toda a profundidade o material de que dispõem, vindo a gerar produtos divagantes e indecisos; têm a seu favor uma certa sinceridade que vem desde as interpretações, mas esta sinceridade é truncada, seguidamente rançosa, mal resolvida em termos cinematográficos.

Se Sandra vai ao sertão e segue as já longínquas pegadas de Nelson Pereira dos Santos e seu Vidas secas (1963), Chico Teixeira, em A casa de Alice, dá a impressão de ter visto muito filme francês, destes que se voltam para as pequenas vidas para no cabo extrair sutis e agudas reflexões; pensei, talvez, e em alguns momentos, em Maurice Pialat, com o senso de improvisação ao modo de Pialat, porém sem o contraponto do rigor deste realizador francês. Na verdade, o realismo desglamurizado de A casa de Alice é desconjuntado, se vai desmanchando com o andar da narrativa e quase nada sobra até aquele momento final (a imagem final) em que a câmara enquadra o rosto da protagonista, a manicure Alice, depois de mais uma frustrada tentativa de dar um rumo feliz à sua vida descolorida e sem avanços.
Por sua ambientação (a baixa classe média do país) e por uma estrutura mais ou menos livre de filmar um roteiro, A casa de Alice tem semelhanças com Bendito fruto (2005), de Sérgio Goldenberg; mas, de qualquer maneira, Goldenberg trabalhava melhor a questão da naturalidade em cinema.

A casa de Alice põe em cena a figura duma manicure, mãe de família que tem um marido distanciado dos problemas dela e três adolescentes cujos rumos de vida na verdade ela desconhece; ainda há a mãe da manicure, uma silenciosa anciã que observa os passos da casa, inclusive sabendo antes do caso do adultério de seu genro com uma adolescente vizinha. A mais famosa personagem de manicure da história do cinema talvez seja a vivida pela francesa Catherine Deneuve em Repulsa ao sexo (1965), do polonês Roman Polansky. A brasileira Carla Ribas como a manicure de A casa de Alice, apesar da pretendida naturalidade, tem estorvos não naturais de encenação que aqui e ali falsificam a criatura.

Por Eron Fagundes

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