RIGOR FORMAL ENTRAVA A BELEZA DE UM FILME
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06 de junho de 2005

O cineasta brasileiro Andrucha Waddington apura seu senso estético para a concepção de Casa de areia (2005), onde ele abdica da espontaneidade de Eu, tu, eles (2000) para se entregar a uma confecção estilística que o encaminharia a uma forma mais pessoal de cinema. Valendo-se com raro sentido de espaço cinematográfico dos lençóis maranhenses, Waddington se esforça por recapturar aquela geometria cinematográfica que o italiano Michelangelo Antonioni e o francês Robert Bresson criaram, cada um a seu modo, como maneira de fazer a beleza plástica atingir o interior do homem. Plástica há sem dúvida em Waddington, mas a interioridade é problemática: o jeito como o realizador compõe sua rigorosa encenação envereda, aqui e ali, por um perigoso entrave emocional; o filme se sustenta como narrativa, em boa parte da projeção, porque o despojamento fílmico chega às vezes a ser empolgante.

Entre os prós e os contras dum gesto cinematográfico que se dissolve e se impõe sucessivamente aos olhos do espectador, é de realçar que duas das maiores atrizes do mundo, Fernanda Montenegro e Fernanda Torres, mãe e filha pela primeira vez juntas numa película (e como mãe e filha de personagens), tem em Casa de areia momentos de glória. Sendo uma formulação estética endereçada mais a um público erudito (a narrativa compassada, uma aproximação à pureza da música –até a presença numa cena duma velha brochura do romance O crime do padre Amaro, 1975, do português Eça de Queirós, evoca mesmo que o texto refinado de Eça é musical), o filme de Waddington não deixa de namorar uma platéia mais ampla, ao deixar que em certos momentos o estrelismo das Fernandas sobrepuje suas forças de intérprete e incluir uma forte seqüência de sexo (conquanto bela) em que o diretor coordena a simulação de um ato sexual de sua mulher, a F. Torres, com o negro Seu Jorge.

Pensando nas linhas históricas do cinema brasileiro, Casa de areia ocupa lugar semelhante ao de A ostra e o vento (1997), de Walter Lima Jr., onde um espaço mítico abstrato se ergue diante da forma cinematográfica revelando o que se poderia chamar uma sensualidade fílmica: o sensual aí não vem do sexo propriamente mas do cenário e dos enquadramentos.

Por Eron Fagundes