O casamento tem sido uma instituição que serve aos cineastas para dissecar os modos de ser da sociedade contemporânea. A maneira com que os artistas cinematográficos se aproximam das bodas difere bastante. Robert Altman, norte-americano, vai a uma festa de casamento em Cerimônia da casamento (1978) para dissecar as misérias e as hipocrisias duma sociedade baseada no egocentrismo e no hedonismo. O sueco Ingmar Bergman, em Cenas de um casamento (1974), mergulha em abismos e trivialidades psicológicas para expor o vazio e a demência de indivíduos duma sociedade organizadíssima.
O modelo americano. Alan Cumming e Jennifer Jason Leigh, dois astros de Hollywood, escreveram, dirigiram e interpretaram Aniversário de casamento (The anniversary party; 2001), filme que foi diretamente inspirado na vivência dos dois realizadores: casados na vida real, Jennifer e Alan estiveram separados por um ano e, para festejar seis anos de sua união e a reconciliação após a temporada de rompimento, organizaram uma festa de que participaram vários amigos, a maioria pessoas ligadas a cinema; o roteiro do filme segue esta festa, de maneira um tanto quanto dispersiva e carregando no tom da narrativa caseira e pessoal, liberando demasiadamente a característica confessional das personagens. As câmaras digitais conferem ao filme uma leveza e ligeireza bem-vindas. Sem o rigor intelectual e formal de Woody Allen, os cineastas de Aniversário de casamento não logram a extraordinária força de espontaneidade de obras como Sonhos eróticos numa noite de verão (1982) e Maridos e esposas (1992). A coroação final da celebração de intimidades, com as criaturas tomando o ecstasy, droga afrodisíaca, está longe do poder revolucionário de A doce vida (1960), de Federico Fellini, com que se assemelharia. Enfim, trata-se dum filme concebido por hollywoodianos numa estética mais minimalista.
O modelo indiano. Um casamento à indiana (Monsoon wedding; 2001), da diretora Mira Nair (que dirigira anteriormente Kama sutra, 1996) é lento, exótico e demasiadamente superficial em suas observações sobre a família indiana a partir da festa dum casamento arranjado por onde passam os mais diversos tipos do país. Diversamente do americano Aniversário de casamento, em que se rompem os liames morais do comportamento das pessoas, em Um casamento à indiana Nair, que dedica a obra à sua família, parece aconchegar-se na conduta moral; o ser mais abjeto, um tio suposto abusador de sobrinhas, é execrado por um patriarca e expulso do momento final da festa. Se o filme norte-americano, com seu jeito de liberação formal e temática, parece às vezes desleixado para os cânones convencionais de narrar, a realização indiana é excessivamente acadêmica em seus ritos de linguagem.
Por
Eron Fagundes