UMA VIDA POÉTICA
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21 de junho de 2004

A pretensão de Cazuza, o tempo não pára (2004), cinebiografia de um dos ícones da cultura musical brasileira dos anos 80, é radiografar uma geração e expor a angústia de uma de suas principais cabeças. Dirigido a quatro mãos por Sandra Werneck e Walter Caravalho, a narrativa assimila detalhes desta simbiose (a dupla direção); as relações humanas rangentes de Cazuza (com seus amigos e seus pais) topam nas características melodramáticas de Sandra uma saída, mas as preocupações documentais ao filmar os shows musicais vem da marcação de Carvalho.

A película não deixa de tocar o espectador, especialmente aquele que pertence àquela geração colhida pela Aids na passagem da juventude para a maturidade. De certa maneira, nos anos 80, em maior ou menor grau, todos os jovens daqueles anos fomos um pouco Cazuza: demasiadamente sonhadores, demasiadamente irresponsáveis, demasiadamente sem limites, como se a casa dos vinte anos nunca fosse terminar. Como diz a certa altura o pai de Cazuza para seu filho, é de se perguntar que esta geração fará quando chegar ao poder; a resposta cai como uma luva nos dias de hoje, em que Lula, outro dos ídolos de nossa mocidade, tem feito um governo burocrático, sonhos por águas abaixo.

Cazuza é produzido por Daniel Filho com capitais da Globo Filmes e contou com a fortíssima propaganda dum horário de telenovela da Rede Globo de Televisão. Mas isto não significa que sua narrativa obedeça a métodos televisivos, como ocorre com um certo cinema brasileiro vertido em celulóide por diretores de telenovelas: Sandra e Carvalho tem o senso do cinema para darem seu recado sem constranger o cinéfilo com soluções estéticas híbridas e amorfas.

Cazuza, a personagem, colocou em sua vida aquela sentença de Edgar Morin (pensador francês com alma de poeta, como bem lembra seu tradutor, o gaúcho Juremir Machado da Silva) segundo a qual: “Viver poeticamente é viver por viver.” (Terra pátria, 1993). Neste mesmo opúsculo de Morin há outras orações que fazem pensar em Cazuza: “A poesia não é apenas uma variedade de literatura, é também um modo de viver na participação, o amor, o fervor, a comunhão, a exaltação, o rito, a festa, a embriaguez, a dança, o canto, que efetivamente transfiguram a vista prosaica feita de tarefas práticas, utilitárias, técnicas.”
É claro que o filme está longe de produzir a inquietação de Morin ou da vida e música de Cazuza. Mas no espaço ocupado pela projeção a emoção corre solta.

Por Eron Fagundes