O HUMANISMO À ITALIANA
 

 

06 de junho de 2006

Gianni Amélio, cineasta italiano, é herdeiro de uma das vertentes do humanismo cinematográfico do maior dos realizadores peninsulares, Roberto Rossellini. Senão, como entender adequadamente o realismo direto e íntimo das imagens de As chaves de casa (Le chiavi di casa; 2004), ou a profunda simpatia humana que nasce da maneira como Amelio conduz sua perigosa história de sentimentos (sempre a um passo de converter-se num dramalhão que impediria o propósito de pensar que o filme, assim como está, edifica)?

Como ocorria em O oitavo dia (1996), de Jaco Van Dormael, o tema da anormalidade não é restritivo: expande-se, como se o filme quisesse propor este assunto como ponto de partida para uma reflexão sobre a condição de todos nós. Cheio de sutilezas, de meios tons, de coisas não ditas ou ditas pela metade, As chaves de casa vê o entrelaçamento afetivo entre um pai e seu filho doente de nascença (dificuldade de locomoção, crescimento mental entravado); tendo abandonado o filho logo depois do nascimento, o pai vai aproveitar este encontro quinze anos mais tarde para sua profunda revisão de conceitos de vida, espiritualmente é muito mais o filho que o ajuda do que o contrário. A família normal do pai (ele tem um filho normal com outra mulher) e a trajetória do garoto doente até antes deste encontro com o pai são camufladas pela habilidade de Amélio, que utiliza fragmentos de lembranças em diálogos e esparsas conversas telefônicas para expor este lado apagado de suas personagens; na verdade, o que interessa à narrativa é isolar as criaturas em seu relacionamento e provocar uma emoção-limite simbolizada pelo choro do pai quase ao final enquanto o filho quer consolá-lo com carinhos. A veracidade do que está sendo contado em As chaves de casa é tocante; e para tanto a direção de atores de Amélio revela-se à altura de toda a tradição do cinema italiano, desde Rossellini.

O único deslocamento do drama do reencontro do pai com o filho é dado pela aparição da figura tão inexpugnável quanto esquiva de Charlotte Rampling, que vive a mãe duma garota que freqüenta a mesma clínica de Paolo, o filho; nas topadas com esta mulher, o pai vai ainda descobrindo a universidade de seu drama.

Pode-se dizer que As chaves de casa reafirma o talento de Amélio, conhecido por aqui de América, o sonho de chegar (1994) e Assim é que se ria (1998), dois outros sensíveis dramas humanos.

Por Eron Fagundes

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