UMA VISÃO DA SEXUALIDADE NOS ANOS 70
eron@dvdmagazine.com.br

7 de junho de 2004

Se a revolução sexual começou nos anos 60, foi mesmo na década de 70 que os conflitos da liberação de costumes passaram a desintegrar de fato a família burguesa. Em Tempestade de gelo (1997) o chinês Ang Lee apresentava uma precisa visão da juventude daquela época, e suas relações familiares, nos Estados Unidos. A diretora neozelandesa Christine Jeffs esmiúça a deterioração de uma família da Nova Zelândia na citada década em Chuva de verão (Rain; 2001), filme extraído dum romance de Kirsty Gunn; o local praiano isolado e uma tensão visual fragmentada remeteriam a antigos filmes do brasileiro Carlos Reichenbach, ressalvadas todas as diferenças de universo temático e proposta estilística.

Se no filme que a lançou ao sucesso internacional, Sylvia, paixão além das palavras (2003), a diretora convergia para um academicismo formal tão pouco de acordo com as inquietações interiores da personagem, uma poetisa suicida, pode-se dizer que em Chuva de verão ela surpreende, realizando um filme notavelmente poético em sua textura. A narrativa é lenta, a interioridade dos planos evita a contemplação de episódios, praticamente não há progressão dramática, a realizadora não conta com um tema tão rico em cenas quanto o da cinebiografia de Sylvia Plath. A riqueza de Chuva de verão vem da depuração de seu estilo de filmar. O filme trata da inquietação de algumas pessoas. Uma mulher casada está insatisfeita e relaciona-se com um fotógrafo mais jovem: a sexualidade madura. A filha adolescente está descobrindo o sexo, espelha-se em sua mãe, desvenda o caso extraconjugal da mulher e passa a sentir-se igualmente atraída pelo fotógrafo, imitando os caminhos da mamãe: sexualidade adolescente, imatura. O marido traído é visto como incapaz de driblar as situações desagradáveis de sua vida, não logra sequer sair daquele círculo que o humilha. No fim, a morte do menino—filho e irmão—joga no mundo da culpa e da dor as personagens: morre afogado enquanto sua irmã vai à procura do fotógrafo.

Tudo cheira a melancolia em Chuva de verão, passado numa estação de águas e férias. A fotografia esmaecida, a música dolente de Edmund McWilliams e a extraordinária unidade de comportamento do elenco. Um belo filme, certamente.

Por Eron Fagundes