O LUGAR-COMUM DA FAVELA
 

 

19 de setembro de 2007

Dos filmes brasileiros recentes que buscam um ponto de apoio na linguagem de televisão, pode-se dizer que Cidade dos homens (2007) é o que mais sofre com este hibridismo. Se Luiz Fernando Carvalho torna a imagem uma metáfora barroca para escapar das limitações do meio televisivo em A pedra do reino (2007) e Daniel Filho tem sua própria elegância de filmar em Primo Basílio (2007), Paulo Morelli, o realizador de Cidade dos homens, não logra dar peso cinematográfico a seu filme, que se apresenta como uma suma dos episódios relatados na televisão à guisa de retrato da violência das favelas no Rio de Janeiro; a filmagem escura e granulada como se fosse rodada em vídeo-teipe com incursões pelos recursos digitais, esta fragmentação muito televisiva e episódica vão incomodando o espectador, pois tudo parece deslocado e superficial.

É bem verdade que o roteiro busca dar uma linha de ação ao filme para que não pareça tratar-se de flagrantes soltos e desligados da favela carioca, para que não seja tão-somente uma crônica amorfa dos marginais do Rio e suas vidas turbulentas. Um dos esforços do roteiro é fixar como idéia na mente de um dos protagonistas a busca do pai desconhecido; o próprio jovem que busca o pai é pai dum garoto pequeno, que mal anda, e estes círculos geracionais vão embasando uma certa unidade a Cidade dos homens.

Mas nada funciona muito bem nesta realização edulcorada, que glamuriza  a miséria. De certa maneira, Cidade de Deus (2002), de Fernando Meirelles, fazia o mesmo, porém o texto agudo do romancista Paulo Lins e a competência fílmica de Meirelles revertem este problema inicial da realização; Morelli não o consegue com seu miserabilismo. Outra coisa que incomoda em certas tiradas de Cidade dos homens é a propensão para a pieguice para com a miséria (algo pior que o miserabilismo social do princípio); esta pieguice, por exemplo, foi evitada por Reginaldo Faria em Barra Pesada (1977) e Hector Babenco em Lúcio Flávio, o passageiro da agonia (1977) para citar exemplos antigos de um cinema social voltado para a marginalidade das periferias, pois estes dois cineastas tinham o dom do ofício para impor uma rispidez formal e temática bastante mais duras e realistas que esta encenação semi-adocidada de Morelli.

Eivado de clichês, Cidade dos homens ambiciona muito e produz pouco.

Por Eron Fagundes

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