14
de fevereiro de
2005
O jogo
de memória e esquecimento elaborado pelo realizador inglês
Michael Winterbottom em Código 46 (Code 46; 2003) evoca
imediatamente certos conceitos de filmar o cérebro e o
sentimento humanos trazidos ao cinema pelo diretor francês
Alain Resnais em O ano passado em Marienbad (1961). Sem o intelectualismo
de Resnais, substituindo-o por uma nervura pós-moderna
e futurista em que os focos múltiplos da imagem e seus
subterrâneos sígnicos identificam as exasperações
da condição humana, Winterbottom monta em cena
um relacionamento amoroso que ele esquece e ela eternamente está a
lembrar, como deixa claro a frase-off no último quadro
do filme dita pela mulher, que é quem (detentora das lembranças
dos acontecimentos) narra o filme.
As
relações entre o bom burguês que investiga
fraudes em seguros e a garota que ludibria os rígidos
códigos de controle do futuro, são difusas, perplexas,
expostas em imagens transcendentemente cinematográficas.
Uma das perversas ironias de conceito da realização é na
verdade sua base temática: o correto investigador estaria
infringindo o código 46, que impede relações
entre parentes, pois a garota tem a mesma linha de DNA que a
dele; daí, seu esquecimento e a insistência dela
em lembrar, pois ela é um espírito transgressor
e ele voltará sem culpa para os braços de sua mulher
e de seu filho.
Código 46 inclui uma das mais tensas e extraordinárias
seqüências de amor do cinema recente. O homem amarra
a parceira na cabeceira da cama antes de começar a copular
com ela; vemos de passagem sua vagina inteiramente depilada,
seus trejeitos de avanços e recuos à investida
do homem, depois a câmara se posiciona num primeiro plano
para captar unicamente o rosto da mulher durante todo o ato sexual. É como
se a câmara (que é o olhar e o corpo do espectador)
estivesse fazendo amor com a personagem.
O
novo trabalho de Winterbottom é um notável avanço
formal relativamente às técnicas semidocumentais
de Bem-vindo a Sarajevo (1997) e A festa
nunca termina (2002),
seus outros trabalhos conhecidos por aqui.
Por Eron Fagundes
|