REENCONTRO NO APARTAMENTO]
 

 

04 de abril de 2006

O Como aconteceu há alguns anos com a revisão de Deu pra ti, anos 70 (1981), de Nelson Nadotti e Giba Assis Brasil, o relançamento, ao menos em Porto Alegre, de Coisa na roda (1982), de Werner Schüenemann, permite que aqueles espectadores que foram jovens nos anos 80 se reencontrem neste particular apartamento cinematográfico onde o filme foi rodado. Schüenemann, hoje um nome conhecido nacionalmente graças à televisão, é duma geração de atores e cineastas gaúchos à qual pertencem Nadotti, Assis Brasil, Carlos Gerbase e Jorge Furtado. Este comentarista é desta geração: daí o aspecto profundamente nostálgico deste reencontro num chuvoso sábado matinal.

Se Deu pra ti foi exibido sem uma “recuperação técnica”, expondo à passagem dos anos todo o seu amadorismo, Coisa na roda teve destino diferente; o Super-8 original do filme de Schüenemman (a mesma bitola em que foi rodado o filme de Nadotti) está descaracterizado e atualizado nesta versão que retrabalhou as imagens, a montagem e até o som a partir da fita cassete que continha as dublagens feitas em 1982. O resultado é uma narrativa tecnicamente mais acabada, mas que não esconde os problemas que originalmente já continha.

A montagem é desajeitadamente ríspida, os movimentos de câmara são desengonçados, a fotografia é amorfa, os diálogos são muitas vezes repetitivos em sua trivialidade e os atores executam falas que parecem demasiadamente marcadas. O amadorismo em Coisa na roda é mais precário que aquele de Deu pra ti. Uma reunião de amigos, eis o que era o cinema gaúcho pré-industrial de então; um filme gaúcho era um pouco uma criação coletiva mesmo, e o diretor era, para usar duma expressão do crítico carioca José Lino Grünewald, um administrador: um administrador de cinema. Schüenemann era o proprietário e seu elenco e os espectadores os convivas desta experiência no apartamento.


Mas inegavelmente, ao menos para os que partilhamos dos assuntos desta geração, Coisa na roda tem força de comunicação e atinge-nos por sua espontaneidade. Agora que Schüenemman está noutra, e o cinema gaúcho já chegou à elegância formal de Sal de prata (2005), de Carlos Gerbase, olhamos para Coisa na roda como para um retrato antigo: desbotado e curioso; mas é nosso retrato, com nossos trejeitos lingüísticos desleixados da época. Se um amigo do centro do país quiser conhecer uma parte de mim naqueles anos, eu o aconselharia a ver os filmes longos em Super-8 que então rodamos, três especialmente: Deu pra ti, anos 70, este Coisa na roda e Inverno (1983), de Carlos Gerbase.

Por Eron Fagundes

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