06
de setembro de
2004
Depois
de tantos anos queimando as pestanas numa tela de cinema, o espectador
acaba por agastar-se com a mesmice do cinema americano, cada
vez mais mergulhado em arcaicos truques narrativos para manter
a atenção das platéias. E, constrangedoramente,
estes velhos truques passam por coisa nova para toda uma geração
que desconhece a história do cinema. É como se
a desmemória fosse a arte de empurrar o cinema para diante.
Dois
filmes atualmente em cartaz, o policial Colateral (Collateral;
2004), dirigido por Michael Mann como um sub-Martin Scorsese,
e a comédia negra Matadores de velhinha (The ladykillers;
2004), a nova realização dos irmãos Joel
e Ethan Coen, servem a uma meditação sobre esta
falta de inspiração que assola a Hollywood atual.
São dois filmes que em alguns de seus aspectos pretendem
ser algo mais do que um divertimento efêmero, utilizam
alguns estratagemas para chegar a este objetivo, mas fazem tanta
concessão às exigências comerciais duma produção
made in U.S.A. que só uma absoluta miopia pode enxergar
neles algo além do que são: futilidades bem feitas.
Mann é um artesão hábil. Valendo-se disto,
rodou uma narrativa socialmente conseqüente, O informante (1999), que acima de tudo mantinha uma instabilidade da câmara
cheia de frescor. Seu Colateral é um retrocesso. O formato
policial é quadradão; é bem verdade que
um certo surrealismo da filmagem se apresenta aqui e ali (um
coiote andando por ruas vazias e escuras), mas os clichês
do filme de ação à americana imperam. O
astro Tom Cruise está em seu papel: sua raiva interpretativa
revela seus dotes de estrela. O ator negro Jamie Fox está melhor
que Cruise, mas ambos formam um bom par de intérpretes.
O bem-feito de Colateral conquista uma certa atenção
do observador: mas é uma atenção vazia de
significados, sem profundidade.
Já o caso dos Coen se coloca diferentemente. Os irmãos
diretores são autores de cinema, tem uma personalidade
própria que falta a Mann, um destes diretores de estúdio
a quem encomendam projetos prévios. Joel e Ethan têm
a seu crédito alguns dos mais belos filmes do cinema ianque
contemporâneo: Gosto de sangue (1984), Fargo (1995), O
homem que não estava lá (2001). Porém Matadores
de velhinha é um de seus trabalhos mais concessivos; sem
abdicar do humor negro que caracteriza um determinado estilo
de filmar, os Coen propõem uma comédia trivial
e fácil que, retirados alguns elementos mais pessoais,
poderia ser assinada por qualquer artesão de Hollywood.
Se Mann conta com a histeria de Cruise, os Coen põem em
cena o histrionismo divertido de Tom Hanks, que faz um desastrado
bandido que chefia uma quadrilha igualmente desastrada; sob uma
certa inspiração do escritor Edgar Allan Poe, cujos
versos macabros e grandiloqüentes são citados pela
personagem de Hanks, os Coen dão um certo status a um
roteiro vulgaríssimo e enfadonho. De uma certa maneira,
Matadores de velhinha tem similitudes com Trapaceiros (2000),
de Woody Allen, especialmente no cinismo mal arrumado dos delinqüentes
de um e outro filme; e, como o filme de Allen, o dos Coen é assinado
por um autor muitos furos abaixo de sua melhor forma.
Tantos
anos depois dos primeiros olhares para uma tela de cinema ver
filmes pode tornar-se uma atividade desgastante e repetitiva
quando damos com brincadeiras cinematográficas já vistas.
Por Eron Fagundes
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