01
de novembro de
2004
Afirma
José Roberto Torero, realizador do filme brasileiro Como
fazer um filme de amor (2004): “Fiz muito mais uma crítica
do que uma homenagem ao gênero. Sou avesso à comédia
romântica ruim. O gênero é um lugar em que
se usa muito a fórmula.” É um lugar-comum?
Ou um lugar-comum invertido, isto é, aquele jeito mais
elaborado de se valer dum clichê? Lendo Pais e filhos (1862),
romance russo de Ivan Turguêniev, dou com esta definição: “—É o
seguinte: dizer, por exemplo, que a instrução é útil,
isto é um lugar-comum; mas dizer que a instrução é perniciosa
constitui um lugar-comum invertido. Parece mais sofisticado,
mas no fundo é a mesma coisa.”
Esqueçamos a declaração do cineasta, pois
nem sempre a declaração de um cineasta ajuda a
compreender seu trabalho, e vamos a seu filme. Torero começa
sua narrativa jogando-se direto na metalinguagem. Sua câmara
está atrás da personagem feminina que servirá de
fio condutor para a paródia de filme de amor que se encenará;
a câmara percorre diversos rostos e corpos desconhecidos
do público nas ruas, mas quando ela depara com Denise
Fraga, o espectador (sim: somos todos no Brasil colonizados também
pela televisão majoritária) sabe que está diante
da criatura procurada; o narrador onisciente, literário,
auxiliar incômodo da câmara durante toda a projeção,
esclarece o que o observador já sabe, explicando esmiuçadamente
porque esta é a figura feminina ideal para o dito filme
de amor. Eu fiquei pensando no diretor franco-suíço
Jean-Luc Godard, que em Duas ou três coisas que eu sei
dela (1966) fazia sua câmara, também cutucada por
um narrador-off, questionar se devia filmar folhagens ou pessoas;
mas a complexidade metalingüística de Godard e sua
inquieta utilização da narrativa-off adiantam-se
anos-luz àquilo que Torero é capaz de produzir
neste princípio do século XXI. Torero está mais
próximo, por sua frugalidade e tom simplório, daquilo
que o norte-americano Mel Brooks fazia ao homenagear satirizando
gêneros cinematográficos em películas como Banzé no Oeste (1974) e O jovem Frankestein (1974); mais
próximo ainda está da fase já desgastada
e pouco divertida de Brooks, caracterizada a partir de Alta
ansiedade (1977), uma urinada nas sobras dos filmes do inglês Alfred
Hitchcock.
Outro
brasileiro, Júlio Bressane, rodou também
seu Filme de amor (2003), uma busca de dar profundidade poético-cinematográfica
a uma trivialidade de filmar. Mas, com todas as dificuldades
de sua expressão, Bressane é muito menos tedioso
do que Torero.
Se
Torero é irônico com as comédias românticas
que são o alvo de sua pretensa mordacidade, eu não
consigo pensar em seu filme senão com alguma ironia. Torero,
que além de ser cineasta tem veleidades de escritor, durante
a apresentação dos créditos finais faz seu
narrador-off (é a voz de Paulo José, um dos maiores
atores brasileiros) ironizar sua própria realização,
dizendo coisas como o cinema (inclusive este filme) só serve
para ganhar dinheiro, a literatura sim é que é arte
(ou qualquer coisa parecida). Fruto da experiência do diretor-escritor?
O narrador insiste: o que o diretor do filme quer é ganhar
dinheiro com o cinema. Ironicamente, na sessão a que este
comentador compareceu, havia quatro espectadores. Ganhar dinheiro?
Pois sim! O que vi na platéia, constrangido e triste,
foram os funerais do cinema brasileiro.
Por Eron Fagundes
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