PENSAR SOBRE O CINEMA GAÚCHO
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09 de novembro de 2004

Tuio Becker, o mais importante crítico de cinema produzido no Rio Grande do Sul, no prefácio de seu livro Cinema gaúcho; uma breve história (1986), observava: “ Fazer cinema e pensar cinema no Rio Grande do Sul é um exercício difícil, quase impossível. Afinal, as pessoas que fazem cinema, com todas as dificuldades possíveis, são aquelas com que convivemos cotidianamente. E quando os resultados não são bons, torna-se difícil exercer uma crítica isenta, imparcial, pois os esforços para chegar à conclusão de uma obra não podem ser ignorados em função do produto final.”

A cada lançamento de uma produção cinematográfica gaúcha, penso nestas luminosas frases de Tuio antes de deitar qualquer coisa no papel ou no computador. Concerto campestre (2003), dirigido por Henrique de Feritas Lima a partir de um dos mais belos livros do escritor gaúcho Luiz Antonio de Assis Brasil, exercita os dotes de narrador em imagens de Henrique, cujo esforço de comunicar-se com o público já estava presente na precariedade da bitola Super-8 de Tempo sem glória (1983) e afinando-se melhor em Lua de outubro (1997), para chegar a seu ambicioso projeto atualmente materializado nas telas.

Evidentemente Freitas Lima se vale de certas liberdades de adaptação fílmica para com o texto agudamente literário de Assis Brasil, pois o cineasta sempre professou sua fé num cinema de busca da platéia. O que é um esforço complicado e elogiável diante duma colonização visual que empurra o cinema gaúcho para um gueto marginal, vítima do preconceito. Mesmo que Henrique afirme seu pendor para o entretenimento, qualquer realização do cinema dos pampas é underground, ainda que suas formas tentem aproximar-se do cinema majoritário, industrial. Nosso sotaque de filmar (ou de escrever) é inconfundível, tornando-se muitas vezes uma barreira: por que as obras ambientadas no Nordeste são mais aceitas na corte carioca do que as nossas?

O espectador exigente pode desfazer na debilidade interpretativa de Leonardo Vieira ou Samara Felippo, considerar que certos diálogos estão fora de tom, achar que a riqueza visual e sonora da realização é geralmente um risco de superfície (isto é, sem profundidade). Pode pensar que as soluções narrativas são fáceis demais. Talvez o projeto de cinema operístico de Freitas Lima empalideça diante das evocações do italiano Luchino Visconti ou do alemão Werner Herzog. Mas que importa? Antonio Abujamra é uma força da natureza que emana do celulóide, e, em alguns instantes, Araci Esteves refaz esta mesma força que fora sua veia em Anahy de las Misiones (1997), de Sérgio Silva. A chuva de sangue é interessante, sim.

Mas será que vale a pena meditar em Concerto campestre tendo por medida nossa perspectiva pessoal? Discute-se eternamente a universalidade dos temas gaúchos. Os assuntos do filme, música e paixões, são de todos os lugares e de todas as eras. Mas teria Henrique tratado destes problemas de sempre com excessos regionais de visão? Quem o poderá saber com certeza?

O historiador Paulo Emilio Sales Gomes reiterava que todo filme brasileiro era mais importante que qualquer filme estrangeiro. Quem tem aqui no Rio Grande do Sul a responsabilidade de pensar sobre o cinema gaúcho, deve momentaneamente aceitar esta premissa: todo filme gaúcho é mais importante que qualquer filme dos outros estados brasileiros ou de fora do país.

Por Eron Fagundes