09 de maio de 2008
Segundo um dos entrevistados de Condor (2007), vigoroso documentário político brasileiro dirigido por Roberto Mader, os embates sociais e políticos na América Latina nos anos 60 e 70 foram uma extensão da Guerra Fria que polarizou o mundo após o grande conflito bélico dos anos 40: as duas grandes potências que saíram fortalecidas ao derrotar o nazifascismo, Estados Unidos e União Soviética, geraram as grandes vertentes ideológicas do século, ou se era comunista ou se era anticomunista. Faz sentido que as ditaduras militares latino-americanas, cujo coração ideológico simpatizava com o capitalismo estadunidense, fossem acobertadas por órgãos como a CIA.
Condor é uma ave andina, uma espécie de abutre. Em português, o vocábulo é oxítono. Em espanhol, á paroxítono. Deu-se o nome de Operação Condor às trocas de informações entre as diversas ditaduras do continente e uma ação conjunta de perseguição aos opositores dos regimes militares em diversos países ao mesmo tempo. Condor seria a “ave negra” que levava essas informações e essas ações. Um entrevistado político que corroborou com a ditadura, tenta desclassificar o Condor do conceito de Operação, dizendo que só o que havia era permuta de informações e não uma ação. Mader faz um filme itinerante em vários sentidos. Percorre com sua câmara o Brasil, a Argentina, o Chile e o Uruguai, cenários onde outrora as ditaduras militares recrudesceram. O caso do seqüestro do casal de uruguaios Lílian Celiberti e Universindo Dias, em Porto Alegre, no início dos anos 80, é evocado e aparece a figura trefegamente irreverente do advogado Omar Ferri. Surgem com muita emoção em cena o caso dos seqüestros de crianças, filhos de opositores aos regimes ditatoriais (muitos destes opositores até mortos na prisão); estas crianças eram por via de regra entregues a um casal burguês e muitas vezes simpatizante do regime, e sempre este casal era de outro país, diferente daquele das crianças, para que o rastro de origem do infante não pudesse facilmente ser encontrado. Na agonia das ditaduras, foi realizado no Uruguai o média-metragem Quando eu crescer (1979), que tratava da questão destas crianças filhos dos ditos subversivos; a realização era atribuída ao Grupo Anônimo de Cinema Independente e foi exibida aqui em Porto Alegre em 1983 no Ponto de Cinema-SESC. Condor recaptura com muita energia esta página dolorosa da história do continente; uma espécie de unidade dos cinemas latino-americanos, a ponte clandestina a que aludia o crítico José Carlos Avellar num de seus mais belos livros (A ponte clandestina, 1995, editora 34), cruza as décadas ligando filmes tão distantes quanto Quando eu crescer e Condor. Aquele um filme uruguaio, este um filme brasileiro, mas ambos com um olhar latino-americano.
Condor é a recuperação da época política do cinema em alto estilo; extremamente bem montado, preciso em sua inter-ligação entre os blocos documentais (há excertos do clássico documentário político brasileiro Jango, 1984, de Silvio Tendler), Condor não difere muito, em seu conteúdo emocional, da ficção política. Basta pensar nas visitas latino-americanas do greco-francês Constantin Costa-Gavras ao Uruguai dos tupamaros em Estado de sítio (1973) e ao Chile de Pinochet em Desaparecido, um grande mistério (1982). As cenas de Condor, que no fundo são as mesmas reelaboradas depois pelos ficcionistas políticos, com o tempo parecem ficção, mesmo dentro de um documentário; e é por esse teor ficcional dentro do documental que tudo é muito emocionante. Especialmente para quem viveu aqueles duros anos —como simpatizante do regime, como opositor do regime ou mesmo como um alienado natural.
Por
Eron Fagundes