UM FILME CERTINHO E ESCOLAR
 

 

07 de novembro de 2005

Feito para ser exibido na televisão a cabo, talvez com exibições alternativas nos cinemas, o filme O Continente de Erico (2005), documentário rodado pela gaúcha Liliana Sulzbach, se insere nas homenagens que este ano se fazem ao centenário do nascimento do romancista gaúcho Erico Verissimo. E na verdade a realização é bem isto: um apêndice da obra literária de Erico; para quem conhece literatura, o interesse é mínimo; a feição escolar da montagem do filme tem endereço certo, os estudantes que se estão iniciando na ficção de Erico.

A ensaísta carioca Ana Cristina César, em seu notável estudo publicado na década de 70 Cromos do país, observava que “a literatura é a única produção cultural que constitui matéria escolar obrigatória.” E revela: “Fazer um filme documentário sobre autor nacional é relacionar-se inevitavelmente com essa circulação do literário. Principalmente se se trata de autor consagrado.” Assim, O Continente de Erico é uma colagem nos livros de Erico: nada mais.

Apesar das características marginais da opção de Liliana (sem grandes patrocínios oficiais, suas dificuldades em obter trechos de filmes com imagens de Erico cujo monopólio está com uma rede de televisão), o documentário em tudo se assemelha ao tom fácil e não-conflitivo da linguagem cinematográfica oficial, o oba-oba não crítico sobre o texto de Erico, as palavras certinhas dos especialistas, as obviedades ditas pelos familiares. Curiosamente Liliana, que atingiu uma inesperada densidade humana em O cárcere e a rua (2004), tem um desnível neste O Continente de Erico, cujo artificialismo nasce basicamente dos excessos laudatórios e impessoais sobre sua personagem.

Liliana usa trechos de um antigo filme de Fernando Sabino sobre Erico e partes de velhas películas de ficção rodadas a partir de livros do escritor. Não se deu o trabalho de observar o quanto estes filmes eram precários, como anotou o crítico gaúcho Tuio Becker em seu opúsculo Cinema gaúcho, uma breve história (1986): “Infelizmente o amor de Erico pelo cinema parece não ter sido correspondido. Em nenhum momento as adaptações cinematográficas de seus livros correspondem, em qualidade e importância, ao seu equivalente literário.”

E o próprio O Continente de Erico, se o tomarmos como uma adaptação do universo do autor de Caminhos cruzados (1935) para a tela, se coloca à distância daquilo que Erico, nosso passaporte para a literatura internacional (a despeito de todas as reservas que se podem fazer a seu estilo literário), mereceria.

Por Eron Fagundes

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