11
de outubro de
2004
Depois
do formalismo rebuscado de Reconstrução de um amor
(2003), de Christopher Boe, é a vez de outro filme dinamarquês
chegar por aqui: Corações livres (Open harts; 2002),
da realizadora Susanne Bier, busca sua inspiração
no despojamento narrativo bastante cru do Dogma 95, no lugar
das evocações do remoto experimentalismo de linguagem
do francês Alain Resnais a que Boe se chega de maneira
frágil.
Corações livres dá a impressão de
que foi rodado em 16 mm e depois ampliado para a bitola comercial
de 35 mm, tal é a leveza e a característica descarnada
dos movimentos enforcados de câmara e do jeito dos enquadramentos;
a partir disto, a fotografia muitas vezes baça e certas
seqüências filmadas em vídeo mesmo ajudam a
conferir à realização o conceito de conversa
ao pé do ouvido do espectador.
É
verdade que o ritmo narrativo é irregular e certos liames
emocionais usados por Susanne se abeiram perigosamente duma certa
superficialidade que seu mestre Lars Von Trier evita com uma
grandeza de filmar que, evidentemente, não é para
todos. Mas o bom elenco e a justeza com que a diretora expõe
a insolubilidade dos impasses sentimentais de suas personagens
conquistam o observador; o fim em aberto da narrativa revela
a incompletude de qualquer ser humano: o acidentado que nunca
mais poderá andar e transar, o médico que abandona
a família ao relacionar-se com a jovem desamparada que
teve seu novo aleijado, esta jovem hesitante que rompeu definitivamente
com o noivo acamado mas ainda não se dispôs a assumir
sua relação com o médico, a esposa do médico
que o espera em casa esperando que passe o turbilhão carnal
do corpo jovem que seu marido experimentou –a vida destas
pessoas é inconclusa, pois vida é isto mesmo, sem
conclusão.
Sem
os botões comerciais de A dona da história (2004), do brasileiro Daniel Filho, ou mesmo de Garotas
do calendário
(2003), do inglês Nigel Cole, Corações livres terá dificuldades de topar seu público. Mas quem
o encontrar não sairá frustrado da sala de cinema.
Por Eron Fagundes
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