10 de dezembro de 2007
O francês Claude Lelouch é um cineasta de extrema puerilidade. Mas para que o espectador descubra os aspectos pueris das narrativas de Lelouch, antes é preciso despir seus filmes de certas sofisticações literárias aparentemente tão complicadas quanto aquelas de seu patrício Alain Resnais. Em A coragem de amar (Le courage d’aimer; 2005) ele tenta um de seus projetos fílmicos mais ousados, menos concessivos ao gosto do público; é o segundo filme de uma pretendida trilogia iniciada com Os parisienses (2004), mas, diante do fracasso de crítica e de público da realização, o terceiro filme foi cancelado. Para se recuperar, Lelouch rodou o comercialíssimo e agudamente tolo Crimes de autor (2007), ainda em cartaz na cidade.
A coragem de amar pode ainda ser lelouchiano em sua superficialidade e soluções dramáticas fáceis travestidas de engenhocas complexas, mas detém um encanto feérico dificilmente encontrado em outro filme do diretor. Somos convidados a embarcar com satisfação nesta puerilidade, aqui habilmente armada por Lelouch. Se ele não tem agudeza de Resnais em Medos privados em lugares públicos (2006), outro destes desconcertantes carrosséis temáticos, a junção dos fios disparatados vai ocorrendo, por acaso ou por felicidade da inspiração, de tal maneira em A coragem de amar que das imagens emana uma inevitável alegria de ver. Alegria de ver que o público francês de 2005, infelizmente, não soube valorizar, impedindo que o cinema de Lelouch tomasse um rumo menos desastrado que aquele de um melodrama literário inglório em Crimes de autor.
Talvez as várias histórias contadas, como sempre meio afobadamente por Lelouch, não se articulem bem umas com as outras, enredando-se em teias de aranha que invariavelmente não permitem ao espectador acompanhar tudo, com transparência, como ocorre em Medos privados, de Resnais. Mas isto não chega a perturbar a fruição do assistente, porque as imagens de que Lelouch lança mão tem aquele feérico pueril que acaba finalmente funcionando.
Um casal de cantores de rua está no centro da trama; a obsessiva busca por sucesso que ela empreende vai detonar o relacionamento. Mas ela fracassa no canto e ele vem a fazer uma carreira popular. Ela escreve um livro sobre a vida deles dois que desperta o interesse de um diretor de cinema. O livro (fictício) se converte no filme que estamos vendo, que ora é o filme mesmo, ora é o filme dentro do filme. Há outras personagens esquisitas: um vagabundo que cuida ser Deus, um vendedor de rua, uma empregada doméstica, uma atriz casada que transa com seu motorista. O título do livro da personagem é O gênero humano, mesmo título que Lelouch daria à sua trilogia. É bem verdade que Lelouch como realizador se perde um tanto nos excessivos tentáculos de seu filme. Mas ele conta com desempenhos notáveis. Mathilde Seigner vive as gêmeas díspares, a cantora e a doméstica. Arielle Dombasle, intérprete de Tess de Polanski (1979), do polonês Roman Polanski, e Pauline na praia (1983), do francês Eric Rohmer, é outra figura expressiva do elenco, que traz numa participação especialíssima o veteraníssimo e extraordinário Pierre Arditi, visto também em Medos privados.
Nada excepcional, com os problemas de sempre do cinema de Lelouch, mas aqui melhor solucionados para gerar um bom espetáculo.
Por
Eron Fagundes