VAGO, INDECISO, MAS BRILHANTE
 

 

09 de abril de 2007

Antes de mais nada, convém esclarecer: O crocodilo (Il caimano; 2006), o novo filme do italiano Nanni Moretti, não trata do político peninsular Silvio Berlusconi, como se disse, nem teria a força de propaganda política para derrubar o primeiro-ministro nas eleições realizadas logo após o lançamento do filme; se o cinema é mesmo uma plataforma de escassa repercussão, como afirmava o realizador espanhol Carlos Saura nos anos 70 diante das insinuações de inserção no panorama político de seu cinema naquela época, os métodos fílmicos de Moretti favorecem a escassez desta repercussão. Moretti é um pouco herdeiro do cinema engajado dos anos 70, porém menos do que Gianni Amelio, e O crocodilo é, curiosamente, aquela película em que esta sombra política antiga menos se manifesta: a morbidez pessoal do narcisismo de Moretti, tão combatida por seus inimigos em obras maiores como Caro diário (1994) e Aprile (1997), aparece em O crocodilo na extensão da crise íntima e profissional da personagem do produtor de cinema vivido por Silvio Orlando, acentuando os desrumos que o bom cinema de Moretti adquiriu a partir do super-estimado O quarto do filho (2000).

O crocodilo trata mesmo do impasse cinematográfico; se Caro diário e Aprile se inquietavam mais com a questão da criação do artista, agora Moretti, talvez determinado por suas experiências atuais, se volta para os problemas da produção cinematográfica, os aspectos industriais do cinema, as dificuldades técnicas, o ator que desiste na última hora, a batalha pelo financiamento de um grande estúdio. O produtor de cinema —que é o protagonista de O crocodilo, e não Berlusconi— é ligado e filmes de ação B, está falido e acaba lhe caindo nas mãos o projeto de filmar a volta de Cristóvão Colombo da América logo após o descobrimento; mas, sem conseguir os meios para o projeto, vem a optar por produzir um filme de uma jovem diretora estreante que tratará da figura política de Sílvio Berlusconi, então primeiro-ministro. Como sempre ocorre em Moretti, O crocodilo traça vários caminhos cinematográficos, com um olhar tão vagabundo quanto brilhante; as indecisões e uma certa coisa pegajosamente pessoal talvez impeçam O crocodilo de ser tão bom quanto Aprile, por exemplo.

Por Eron Fagundes

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