AS DITADURAS LATINO-AMERICANAS AINDA RENDEM FILME
 

 

15 de novembro de 2006

Crônica de uma fuga (Crónica de una fuga; 2006), filme argentino dirigido pelo uruguaio Israel Adrián Caetano, sofre do problema da excessiva previsibilidade formal e temática. É claro que é inviável para o espectador que um dia se ligou na questão das torturas exercitadas nas catacumbas das ditaduras militares latino-americanas ficar insensível ao sofrimento das personagens em cena; toda uma gama de questões duma crucial quadra histórica da América do Sul perpassa nossa mente ao vermos o filme de Caetano.

Mas enfim as novidades, que é o que move o observador mais inquieto, passam à margem de Crônica de uma fuga. Sabe-se que as personagens vão comer o pão que o diabo amassou nas mãos dos agentes da ditadura. Sabe-se que uma bela noite de chuva eles vão fugir e depararão lá fora com um mundo que correu e não esperou por suas vidas interrompidas. O método de filmagem é claustrofóbico (fotografia obscura, movimentos curtos e tensos de câmara, cenários fechadíssimos e escuros), mas nas mãos de Caetano estes recursos de estilo logo se tornam cacoete, maçante maneirismo.

Crônica de uma fuga é baseado num livro que partiu duma história real: Cláudio Tamburrini, o protagonista, escreveu sua própria história –um inocente e apolítico goleiro dum time de futebol da Segunda Divisão do Campeanato Argentino é confundido com um terrorista, preso e torturado, no ponto mais extremo da repressão fascista na Argentina, em novembro de 1977. Crônica de uma fuga não deixa de utilizar, como Pra frente, Brasil (1983), do brasileiro Roberto Faria, a alegria do futebol como triste contraponto para o soturno universo que aborda; mas se Faria é bastante crítico nesta aproximação, Caetano é muito vago no estudo destas relações que eram certamente muito fortes quando se deu a conquista do campeonato mundial de futebol pela Argentina em 1978 (assim como ocorreu no Brasil militarista de 1970 com nossa vitória no México).

Ressalvadas as proporções, o problema estrutural de Crônica de uma fuga assemelha-se ao de Menina má.com (2005), de David Slade: desviar a densidade dos temas para a articulação de uma narrativa de suspense. Dirão que o grego Constantin Costa-Gavras fazia o mesmo: eu direi que ele o fazia com um equilíbrio cinematográfico muitas vezes maior.

Por Eron Fagundes

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