A EMOÇÃO DO CINEMA VEM DE SUA MONTAGEM
 

 

28 de outubro de 2007

Apresentação: A dança da vida é o primeiro filme de longa-metragem dirigido pelo colombiano Juan Zapata. O realizador, natural da Colômbia, está radicado em Porto Alegre há alguns anos e é hoje um cineasta gaúcho, assim como Hector Babenco, argentino, é um cineasta brasileiro. A dança da vida teve até agora exibições experimentais no Rio Grande do Sul e entrará no circuito comercial em 2008. O texto abaixo é um avant-première das discussões que o filme poderá provocar.

Cinema é montagem: este é um de seus conceitos fundamentais. O documentário cinematográfico exacerba esta dependência do filme para com a montagem. Escolher do material filmado o que vai ficar na tela e o que vai sobrar nos esquecidos arquivos de imagens. Em A dança da vida (2007), o realizador colombiano radicado no Rio Grande do Sul Juan Zapata entrevista várias pessoas para uma amostragem da realidade e das expectativas sexuais de indivíduos que se encaminham para a reta final da existência. Foram setenta horas de material filmado para um  filme enxutíssimo, exato, oitenta minutos de projeção. O estreante montador Fabiano Cavalheiro, citando Giba Assis Brasil, um dos nomes básicos da montagem cinematográfica brasileira e que neste ano completou meio século de vida e foi homenageado com matéria e entrevista no número 11 da revista de cinema porto-alegrense Teorema, lembra que o montador não deve comparecer ao set de filmagem, o que criaria um envolvimento íntimo com o que foi filmado; o trabalho do montador deve ater-se ao filme e esquecer a sentimentalidade de filmar. Orson Welles era o diretor e o montador de seus filmes; mas isto é lá com Welles, que detinha um distanciamento estético único; certamente o colombiano Juan não teria esta arrogância de Welles, fez bem em arrecadar um especialista para sua montagem.

A dança da vida trata do sexo na velhice. O sexo é um tema comercial. Mas a velhice não. É um documentário de entrevistas. Mas trata as pessoas de que se vale, de personagens. Personagem é a pessoa de ficção. Como disse o cineasta brasileiro (moçambicano?) Ruy Guerra em entrevista a Teorema número 11, o documentário é também uma encenação e as distinções dele para com a ficção estão apagadas. O que ocorre mesmo num documentário é que se parte de figuras reais para criar figuras ficcionais. Numa ficção o sentido pode ser profundamente real, até mais do que num documentário muitas vezes, mas o realizador cria uma parede entre o real e o inventado; esta parede vai abrir crostas simbólicas que iluminam ou obscurecem o universo inventado.
A dança da vida adota uma objetividade distanciada para suas amostragens sócio-sexuais; o narrador (a câmara) é neutro e deixa as personagens fluírem sem se envolver com ela. Não age como Eduardo Coutinho, que cada vez mais se torna personagem de seus próprios filmes. Mas nos créditos finais cenas em pequenos quadros ao lado dos letreiros mostram entrevistas em off onde vemos a preparação destas pessoas-atores para começar a falar para a câmara como personagens-pessoas e onde algumas vezes o próprio diretor é questionado (por que você está interessado na sexualidade dos velhos brasileiros? porque você é de outro país e achou isto por aqui diferente de seu país?). Aí se revela que uma aparência de objetividade neutra sentida ao longo do filme é desmanchada por um envolvimento do realizador com seu tema e suas personagens que está mesmo em cada fotograma documental que vemos bater na tela.

Amor e sexo na velhice no cinema brasileiro? No final de Chuvas de verão (1978), de Carlos Diegues, um plano dos corpos nus de Jofre Soares e Miriam Pires, ele debruçado sobre ela no chão duma casa, é um dos grandes momentos de erotismo da imagem cinematográfica nacional. O outro lado da rua (2004), de Marcos Bernstein, descreve com muita sutileza o relacionamento sentimental que se estabelece entre as personagens de Raul Cortez (já falecido) e Fernanda Montenegro; como a criatura de Miriam nos anos 70, a de Fernanda no filme recente também tem bloqueios e dificuldades para aceitar os avanços sexuais do homem. A dança da vida se inscreve nesta linha de nobreza e dignidade.

Por Eron Fagundes

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