EMBARCAÇÃO FURADA
 

 

22 de fevereiro de 2007

O realizador inglês, em atividade nos Estados Unidos, Tony Scott chega a seu filme mais ambicioso. Déjà vu (2006) não deixa de ter os fricotes visuais e as correrias de personagens que caracterizam seu cinema de artesão industrial (indevidamente guindado à condição de autor), mas torna-se bastante confuso ao tentar impor a um frívolo filme de ação um senso metafísico do cinema inserido no centro de seu estrépito tecnológico de imagem uma esvaziada e ligeira discussão sobre as possibilidades maleáveis do tempo.

Um policial federal, Doug Cardin, vivido mais com estrelismo do que com a atuação de que é capaz por Denzel Washington, investiga o que ocorreu antes de uma embarcação ser posta aos ares por uma explosão; ligando este possível ato criminoso ao assassinato duma mulher negra, Doug se submete a uma nova tecnologia que lhe permite ir ao passado e modificar este passado diante daquilo que sabe no presente. Esta fantasia é mal elaborada pelas câmaras de Scott, são devoradas pelo próprio labirinto, já que Scott não tem estofo (e talvez nem pretenda ter) de outros cineastas que lidaram com o elemento do tempo, como o francês Alain Resnais e o alemão Alexander Kluge.

A excitante seqüência inicial, com seus planos muito abertos e sua montagem próxima de uma libidinagem cinematográfica, mostrando as pessoas que chegam para a viagem marítima, antes da explosão que encerra a seqüência, dá mostras das possibilidades mais criativas de Scott, a que ele renuncia para fazer aquilo que interessa à indústria, uma frugal e já vista (déjà vu) narrativa de ação. Arriscando um pouco mais, Déjà vu é mais um representante fílmico do cinema americano de temor ao terrorismo depois de 11 de setembro de 2001. Temor de que o cinema europeu não está isento, como se viu em Um filme falado (2003), do português Manoel de Oliveira, onde no final há também a explosão de um barco, mas é algo filmado à distância, com secura por Oliveira, muito longe do celulóide queimando (ou queimado) de Scott.

Por Eron Fagundes

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