15 de novembro de 2007
Os filmes da realizadora dinamarquesa Susanne Bier têm logrado vencer a prepotência da hegemonia cinematográfica americana e chegar ao mercado distribuidor internacional com uma regularidade rara para alguém não tão incensado e fora dos padrões do cinema habitual. Depois do casamento (After the wedding; 2006) é um ponto da maturidade criativa da cineasta. Corações livres (2002) é uma narrativa formalmente libertária, mas está um tanto quanto presa à sombra de Ondas do destino (1996), de Lars Von Trier, este um dos grandes filmes da última década do século passado; não vi Brothers (2004), exibido por aqui no ano passado.
É bem verdade que Bier, em Depois do casamento, não foge inteiramente às marcações ásperas e emocionalmente provocativas de Von Trier, o mais criativo diretor de cinema dinamarquês contemporâneo; mas sua capacidade de impor a profundidade da imagem se vai tornando mais pessoal. Seus achados de encenação se adensam pouco a pouco. Seu desenho de personagens e os conflitos rangentes que surgem entre as personagens se vai delineando com mais clareza e contundência. Tudo para tornar Depois do casamento num dos destaques da atual temporada de cinema.
O triângulo amoroso que se junta no espaço de Depois do casamento não é um triângulo comum, mas uma construção geométrica diferenciada. Bier é cerebralmente nórdica nesta construção, mas há paredes que rangem do estufar de peitos destas criaturas. Entre o incômodo e o bater de latas o espectador é desarticulado ao longo de Depois do casamento. O milionário que está prestes para morrer e faz vir da Índia um filantropo que, vem a saber-se, é um ex-amante da mulher do milionário e pai da filha que o milionário criou com a esposa, é o cérebro que tece a narrativa. As cenas iniciais se dão na Índia quando o filantropo está distribuindo comida às populações carentes; a última cena se dá também na Índia, quando o filantropo vai ali para anunciar aos seus protegidos que passará a residir definitivamente na Dinamarca. No miolo do filme, cenas de revelações familiares, a seqüência do casamento da filha criada pelo milionário. Uma das cenas mais tocantes: a primeira e tímida aproximação entre o pai biológico e a garota.
Um belo agudo filme sobre relações humanas, feito com aquele viés europeu que se contrapõe à maneira (mais de notas de superfície) que o norte-americano Danny Leiner põe em People, histórias de Nova Iork (2007). Nas duas pontas, dois dos melhores trabalhos que o cinema apresentou este ano em Porto Alegre.
Por
Eron Fagundes