O CINEMA DE INVESTIGAÇÃO
 

 

04 de abril de 2008

Bem no início de Desaparecidos (Trade; 2007), filme norte-americano dirigido pelo alemão Marco Kreuzpainter a partir dum artigo do The New York Times escrito pelo jornalista Peter Landsman, duas ações clandestinas fazem com que o espectador seja introduzido no universo de vilanias e pobrezas dos subúrbios da Cidade do México. Um garoto atrai um turista para uma prometida orgia com calorosas mulheres mexicanas e, chegando a um beco com a vítima, o garoto e alguns comparsas roubam e aterrorizam o turista. Cena dois: uma adolescente mexicana é seqüestrada (enquanto passeava de bicicleta) por um grupo que deverá fazê-la chegar aos Estados Unidos para ser leiloada para prostituição: ela é uma das muitas vítimas do comércio de prostituição infantil internacional. Pois bem: ocorre que o garoto delinqüente é irmão da adolescente seqüestrada. Ao descobrir que sua irmã foi raptada, o garoto sai vorazmente a investigar o paradeiro dela, não hesitando inclusive em atravessar perigosamente a fronteira e estar sempre à beira dos perigosos criminosos. Assim, o que se constrói em Desaparecidos é novamente um cinema de investigação, onde o mote narrativo é topar o que aconteceu com uma pessoa desaparecida; este mote vai conferir um certo corte policial à narrativa. Neste corte policial os aspectos sociais vêm de sua vertente de denúncia quase jornalística.

Talvez um dos exemplares mais bem sucedidos do gênero seja Desaparecido, um grande mistério (1982), do greco-francês Constantin Costa-Gavras, onde um americano desaparece no Chile de Pinochet e seu pai e sua esposa saem à sua procura sob os escombros armados pela ditadura chilena. O gênero anda em voga atualmente no cinema americano. Em No vale das sombras (2007), de Paul Haggis, o pai vivido por Tommy Lee Jones busca seu filho que desapareceu (nem vivo, nem morto) depois do fim da guerra do Iraque aonde o rapaz tinha ido para servir ao país. Em O preço da coragem (2007), dirigido pelo inglês Michale Winterbottom, é a jornalista no corpo de Angelina Jolie quem quer saber o que se deu com seu marido, também jornalista, que sumiu depois de ter ido ao encontro de um líder fundamentalista islâmico para uma entrevista. É claro que este mote superficial não aproxima na essência estes filmes, mas ajuda a empurrar a estrutura policial em que seus temas se apóiam.

No caso de Desaparecidos, a composição policial do filme é ingênua e precária. O heroísmo do garoto que enfrenta perigos por sua mana é construído de maneira bastante hollywoodiana: um Indiana Jones mirim? A intromissão do policial vivido por Kevin Kline (que conversa a espaços ao telefone com sua esposa e sabe-se depois que ele topou com o garoto e o ajuda porque está procurando uma filha extraconjugal vendida há dez anos) é mal cosida, parece artificiosa. Quando o policial e o garoto dão com a chefona que vende meninas mexicanas ou de outras nacionalidades (como a polonesa que se torna amiga da garota e depois se suicida), certas imagens e diálogos insinuam que aquela vendedora de prostitutas mirins pode ser a filha procurada pelo policial (“Você se parece com alguém que conheço”, diz ele ao encará-la bem); mas esta insinuação não é desenvolvida nem objetivamente, nem como enigma: é uma das muitas coisas precariamente costuradas da realização.

Enfim, um tema sério, que nos constrange a todos, é embarcado nas fórmulas rasteiras de um cinema americano dirigido por um germânico.

Por Eron Fagundes

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