O AMIGO ALEMÃO
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14 de junho de 2004

Roland Emmerich é um bom amigo alemão do cinema americano. Em O dia depois de amanhã (The day after tomorow; 2004) ele exacerba a questão cinematográfica como uma experiência de imagens e sons em que o sentido importa quase nada; o longo travelling-para-a-frente enfrentando desolados cenários gelados enquanto os créditos iniciais desfilam na tela é o anúncio do formalismo eminentemente comercial de Hollywood que norteará toda a produção.

O papo-furado de Emmerich sobre o perigo glacial, apresentando seus cientistas de opereta na linha de frente de seu elenco, é só um pretexto para que o realizador exercite, diante de um público primário, uma tensão audiovisual tantas vezes vista nos chamados filmes-desastre, desde os anos 70 ou quiçá antes (o antecessor ilustre destas películas-aviso pode ser Metrópolis, 1926, clássico do expressionismo alemão –cinema mudo—dirigido por Fritz Lang em que, segundo a ensaísta Lotte H. Eisner, “o sentimental se une ao monumental” e também onde “quase escutamos essas máquinas, assim como as sirenes das fábricas”, cumpre não esquecer que o cinema de Lang na época era mudo; mas vai uma distância muito grande entre o gênio de Lang e o artesanato de quinquilharia de Emmerich). Em O dia depois de amanhã as personagens se desestruturam e apagam visando a dar lugar a uma encenação coletiva, corpos tragados pela voragem das águas e do degelo; a trama, lançando um curioso mea culpa americano típico de uma era posterior às invasões bárbaras de onze de setembro de 2001, não tem finalidade, não são as bobagens ditas como se fosse alta reflexão que vão atrair o público, mas esta tendência das massas de se interessarem por catástrofes: que é que faz com que uma multidão se ajunte nas ruas? no cinema é a mesma coisa.

Se os árabes abalaram Nova York com os aviões suicidas em 2001, Emmerich providenciou o mundo como espetáculo para pôr abaixo a metrópole americana. E, enviesado, refaz a trajetória nazista: queima livros, inclusive um autor alemão, Friedrich Nietzsche, sob a desculpa de que é preciso fazer fogueira para enfrentar o degelo.

Talvez O dia depois de amanhã seja um bom exemplo de que o cinema, e a cultura em geral, não faz mais sentido hoje em dia. Encher os olhos de imagens e sons até que nos tornemos cegos e recomecemos de uma era de cavernas.

Por Eron Fagundes