03 de outubro de 2006
O cinema de Hollywood e o universo da moda indumentária certamente devem dar-se as mãos sem problemas: os diretores de Hollywood e os chefões do guarda-roupa internacional têm ego elevado, gostam de tudo o que é visualmente rutilante e valorizam sobretudo os bem-sucedidos financeiramente; a grandiloqüência das imagens da moda e dos grandes enquadramentos hollywoodianos, com suas luzes e coloridos tão impositivos quanto superficiais, pertencem à mesma família visual. Mas a moda não é uma dramaturgia, como o é o cinema.
Esta impressão de um desfile bobo e sem função (querer converter um filme numa propaganda de guarda-roupas) aparece claramente em O diabo veste prada (The devil wears prada; 2006), dirigido com artificioso magneto hollywoodiano por David Frankel, que segue à risca a cartilha das óbvias concessões comerciais. Frankel é bastante ingênuo na visão da permuta de personalidades entre a chefe de moda Miranda Priestly e sua jovem secretária Andy Sachs; as relações familiares que puxam Andy para um nível de realidade que a afasta da perversa e aparente amoralidade (aparente, pois Frankel não se furta de semear pistas de que ela também aspiraria a uma simplicidade mais humana) de Miranda; a guinada final do filme ajuda a afundar a narrativa na decepção que a vinha atravessando desde o começo, pois é revelador do olhar de Hollywood: nós amamos o luxo, dizem os filmes de Hollywood, mas você espectador deve batalhar por seu sucesso longe deste perigoso luxo; o que vale para nós não vale para você assistente do Terceiro Mundo. É uma moral sem cuecas.
O mundo da moda teve nos anos 90 duas versões cinematográficas muito mais agudas que a desta realização de Frankel. O combatido Prêt-à-porter (1994), de Robert Altman, era desmistificador e foi incompreendido. O alemão Wim Wenders rodou o documentário Caderno de notas sobre roupas e cidades (1989), uma de suas obras-primas menos referidas e onde o grande cineasta exercia sua facilidades filosóficas para tratar com extrema liberdade o mundo dos vestuários no fim da década de 80. São referências cuja relação com o filme de Frankel quase não existem, a não ser no tópico aproximar o jeito do cinema do jeito da moda, como aduz a película de Wenders ao estabelecer paralelos entre uma equipe de filmagem e uma equipe de moda.
Seria, também, injusto, ao mesmo tempo em que se despreza o filme, colocar neste saco as interpretações de Meryl Streep (soberba como sempre, praticamente vivendo a si mesma como uma diva de Hollywood) e Anne Hathaway (ilustre sobrenome para uma moça que contracena milímetro por milímetro com as décadas de experiência de Meryl). Eu sei, eu sei: dirão que minha repulsa a Hollywood em muitos caso se traveste de alguns signos de paixão, representados inconograficamente por figuras como a de Meryl. Hollywood nos falsiifica, mas sem Hollywood os cinéfilos não existiríamos. O diabo veste prada falsifica o talento de Meryl Streep; mas sem filmes assim, como a luz de uma estrela como ela poderia atingir nossa remota visão?
Por
Eron Fagundes