UMA OSTENTAÇÃO DE ÉPOCA EM FILME GAÚCHO
 

 

15 de agosto de 2005

A luxuosa produção de época de Diário de um novo mundo (2005), rodado por Paulo Nascimento e que contou com capitais brasileiros, portugueses, argentinos e uruguaios, obedece muito mais a uma pictoricidade postiça que a uma visão crítica daquilo que está em cena; além disto, o luxo vazio da realização é uma busca inútil de tapar os buracos de um roteiro que acompanha sem inspiração as evoluções de um triângulo amoroso que se passa nos tempos dos açorianos no Rio Grande do Sul. O filme é uma adaptação da obra de estréia do ficcionista Luiz Antonio de Assis Brasil, Um quarto de légua de Quadro (1976); certa vez o próprio escritor, numa confidência missivista, revelou a este comentarista que se trata de narrativa tateante, ainda com falhas que Assis Brasil, movido pelas críticas iniciais àquele livro, viria a corrigir em seus romances seguintes, que conquistariam um espaço nobre na literatura brasileira; não sei se os problemas de construção dramática do roteiro se prendem à própria falta de engenho de sua origem literária, mas não é desculpa, pois um roteiro, sabe-se, pode melhorar muito seu esqueleto literário.

Apesar de relativamente curto para os padrões de hoje (a projeção dura cerca de uma hora e meia), Diário de um novo mundo lá pelas tantas cansa a paciência do espectador por sua ausência de rumos e propósitos. Sem a sutileza e a profundidade do italiano Luchino Visconti, Nascimento se esmera em requintes de reconstituição histórica para rechear seu frouxo melodrama tenuemente erótico; Edson Celulari e Daniela Escobar são intérpretes bastante frágeis para os papéis; a teatralidade dos diálogos, ditos mais ou menos como num teatrinho de colegiais, é bastante incômoda e acentua aquele caráter postiço que já está nas falsificações de época.

Inevitavelmente, o filme vai seguir um caminho lançado no cinema brasileiro pela obra-prima Os inconfidentes (1971), de Joaquim Pedro de Andrade, ao guinar a época que finaliza a narrativa: há um salto para o presente contemporâneo do espectador que está vendo o filme, uma mulher (a mesma Daniela a interpreta, o que sugere que se trata duma descendente da heroína) está escrevendo num computador a história que o filme acabou de contar. O confronto dos dois tempos históricos, em Diário de um novo mundo, não serve para nada: como ocorre em tudo no filme, faltaram indicações de propósitos.

Por Eron Fagundes

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