11
de maio de 2004
Desde
seu primeiro filme, o artificioso A grande arte (1991), o cineasta
brasileiro Walter Salles Jr. optou por uma ousada e sempre perigosa
internacionalização de filmar. O inglês de
sua estréia cinematográfica é substituído
pelo sotaque de Portugal em Terra estrangeira (1995), uma aventura
européia em tempos de crise do cinema nacional.
Diários de motocicleta (2004), o novo trabalho de Salles
Jr., é uma seqüência natural do norte cinematográfico
do cineasta. Aqui a internacionalização é uma
americanização de filmar; no lugar dos diálogos
em inglês de sua película inicial, falas em espanhol.
Filme
de estrada, Diários de motocicleta observa a possível
unidade do continente americano a bordo duma velha motocicleta.
O roteiro do filme é extraído de um dos muitos
diários deixados por Ernesto Guevara de la Serna, guerrilheiro
argentino cujo sonho de unificação das Américas
se inspirava no de Simon Bolívar no século XIX.
O realizador suíço Richard Dindo rodou em 1994
o documentário Che Guevara, o diário boliviano partindo igualmente de escritos da personagem. Salles foge à aridez
da proposta de Dindo e busca a emoção mais fácil
do público. Diários de motocicleta não chega
a realizar-se plenamente como filme, mas supera bastante aquela
beleza mecânica de Abril
despedaçado (2001), a fita
anterior de Salles Jr. A possível superficialização
da narrativa topa aqui e ali elementos mais densos para expor
um dos espíritos humanos mais inquietantes do século
XX.
Muito
ajudam na capacidade da realização de emocionar
o espectador uma fotografia nuançada, uma faixa sonora
articulada e, acima de tudo, a dupla de atores centrais. Gael
Garcia Bernal e Rodrigo de la Serna (este, sobrinho em segundo
grau de Ernesto Guevara de la Serna) emprestam garra e sutileza
a duas criações cinematográficas complexas
de verter em celulóide.
Por Eron Fagundes
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