CUARÓN SURPREENDE
 

 

Faz três anos se viu por aqui o melodrama superproduzido Grandes esperanças (1998), que o realizador mexicano Alfonso Cuarón extraíra da literatura do inglês Charles Dickens para os estúdios americanos. Tudo o que poderia haver de modernoso e superficial na adaptação de um clássico literário se salientava naquela realização; a única coisa positiva era o desempenho duma envelhecida mas extraordinária Anne Bancroft, que punha os jovens em cena no chapéu.

Em seu novo trabalho, E sua mãe também (Yu tu mamá también; 2001), Cuarón surpreende. Substitui ao academicismo de sua película anterior uma linguagem fresca e revitalizante, caracterizada por uma câmara solta em seus travellings de estrada. O ponto alto do frescor narrativo do novo filme de Cuarón é, todavia, aquele plano-seqüência em que o trio de protagonistas (dois homens e uma mulher) se embriagam, a cena terminando com a dança dela rumando para os rapazes, a seqüência seguinte dá-se no quarto e é puro sexo voraz, assim como já fora a primeira imagem da fita, um casal que se ama açodadamente.

Narrativa cinematográfica de estrada, E sua mãe também tem um olho para os dramas íntimos de suas três personagens centrais (todos três foram traídos por seus parceiros e decidem compor intensamente suas fantasias eróticas, sobrando até para o lance da pederastia), outro olho para as observações da realidade mexicana a partir do interior do país e da família de pescadores com que os protagonistas topam numa praia.

Sem ser uma obra-prima (muito longe ainda), o filme de Cuarón é uma daquelas obras que, por felicidade, tanto pode atrair o espectador de entretenimentos quanto aquele observador que vai ao cinema em busca do pensamento. As coisas funcionam com razoável senso cinematográfico na linguagem a que Cuarón aqui se entregou.

Por Eron Fagundes

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